Pelo terceiro ano consecutivo, cerca de 150 redações de grandes veículos de comunicação dos cinco continentes se unem em uma campanha global para refletir sobre o impacto do jornalismo profissional na sociedade e sua importância para a democracia, em meio à maior crise de saúde vivida pela humanidade em um século e diante de uma era desinformação e ódio nas redes sociais.
O World News Day (Dia Mundial da Notícia), celebrado nesta segunda-feira (28), é uma iniciativa do Fórum Mundial de Editores, entidade ligada à Associação Mundial de Jornais (Wan-Ifra). Como parte do projeto, veículos de comunicação compartilham reportagens que tiveram alto impacto nas comunidades, por meio do jornalismo investigativo, denunciando irregularidades dos poderes público ou privados, e construtivo, que, não apenas exibe os problemas sociais, mas principalmente aponta soluções.
GZH participa da iniciativa internacional, ao lado de The Toronto Observer e The Globe and Mail, do Canadá, Heraldo de Aragón, da Espanha, News24, da Nigéria, The Quint, da Índia, e The Straits Times, de Singapura, entre outros. Ao todo são dezenas de reportagens compartilhadas entre os veículos e reunidas no site www.worldnewsday.org. Algumas estão resumidas abaixo. Elas constituem uma amostra de como o a imprensa contribui para mudanças sociais, conscientização de populações em meio à pandemia de coronavírus e para o fortalecimento da democracia.
— Redações e jornalistas profissionais em todos os lugares aceitaram o desafio de cobrir a pandemia de covid-19. O Dia Mundial da Notícia deste ano será uma ocasião para contar a história de como redações de todo o planeta responderam a essa crise global e desempenharam um papel em manter nossas sociedades bem informadas — afirma Warren Fernandez, presidente do Fórum Mundial de Editores e editor-chefe do The Straits Times.
Em um momento em que notícias falsas disseminadas em plataformas digitais foram responsáveis por disseminar discursos racistas, provocar desinformação e aprofundar a ansiedade em meio à pandemia — em um cenário considerado por especialistas como de "infodemia" —, o jornalismo profissional reafirma sua posição de farol da sociedade.
— Editores de todo o mundo estão abraçando essa ideia também porque é uma forma de chamar a atenção da sociedade para o fato de que é o jornalismo profissional que faz o saneamento da poluição social produzida pelas grandes plataformas digitais, que não assumem a responsabilidade pelos danos causados pelos conteúdos que promovem a desinformação e o estímulo ao ódio — analisa Marcelo Rech, presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) e ex-presidente do Fórum Mundial de Editores.
Readaptação de processos
Diante do desafio de produzir notícias em tempo real sobre a pandemia, jornalistas precisaram readaptar seus processos — muitas vezes, trabalhando de casa, distantes fisicamente das redações. Apesar das dificuldades impostas pelo distanciamento social e dos riscos de quem precisava sair à rua para reportar o drama das famílias vítimas de covid-19 e o trabalho dos profissionais de saúde, repórteres não abriram mão de seu método de apuração, uma caixa de ferramentas que garante credibilidade e visão independente e plural dos fatos. Por trás de cada reportagem, há planejamento, entrevistas, checagem de dados, mergulho em documentos e exposição de diferente pontos de vista.
Algumas redações que participam do projeto estão sediadas em países com governos autoritários, como as Filipinas, ou em áreas conflagradas, como a região da Caxemira, disputada por Índia e Paquistão. Para marcar o dia, além de reportagens publicadas nos jornais participantes, haverá debates online no site do evento, com personalidades internacionais, entre elas uma das maiores autoridades mundiais em doenças infecciosas, Anthony Fauci, diretor do National Instittue of Allergy and Infectious Diseases dos Estados Unidos, e a jornalista Maria Ressa, CEO do site Rappler, condenada pela justiça das Filipinas à prisão, em um julgamento que organizações de defesa da liberdade de imprensa consideram uma tentativa de silenciar a imprensa no país governado pelo presidente Rodrigo Duterte.
The Quint (Índia)
Como a covid-19 perturbou a vida de um casal cego
Em uma época na qual tocar alguém traz consigo um grande risco à saúde, como os cegos conseguem se orientar? Essa foi a dúvida que levou a reportagem do jornal The Quint a tentar mostrar o quão debilitante foi o impacto da pandemia para os menos favorecidos e os deficientes. O jornal contou a história de Dharman e Uganthai em Chengalpattu, um foco da covid-19.
Confinados em suas casas devido à pandemia, o casal com deficiências visuais que dependia dos trens como vendedores, tiveram a renda reduzida, mas não o seu espírito de luta. Eles batalhavam por cada refeição. Após a publicação, o jornal recebeu mensagens oferecendo ajuda financeira, e o casal já recebeu mais de 5 lakhs. Hoje eles estão confiantes quanto a se mudar para uma casa sem vazamentos e a garantir que seu filho receba a melhor educação.
News24 (África do Sul)
Rostos do confinamento
Quando a África do Sul estabeleceu um confinamento nacional para estancar a disseminação do coronavírus, em março de 2020, a vida mudou da noite para o dia e houve implicações drásticas para muitas pessoas. Além do impacto que o confinamento teve nos empregos, na renda e nas rotinas, muitas pessoas foram afetadas de modos inesperados. A News24 conversou com sul-africanos comuns - um paciente com câncer, um ex-viciado, por exemplo, para ilustrar como foi a vida na África do Sul durante o confinamento.
El Litoral (Argentina)
Eles planejam uma integração sociourbana
Resolver as condições habitacionais precárias de centenas de famílias na cidade de Santa Fe, Argentina, é uma questão pendente que os governos municipal e provincial ainda não podem "autorizar", ou porque as políticas aplicadas não são corretas ou devido ao simples fato de a porcentagem da pobreza e da falta de moradia no país está crescendo rapidamente e a necessidade de se ter um lugar para morar é urgente.
Frente a essa falta de "moradia decente", as famílias de Santa Fe que não têm onde morar se mobilizam em grupos e se alojam em diversas terras livres localizadas na periferia de Santa Fe. Esses assentamentos geram situações de conflito entre vizinhos, resultando em um atrito cotidiano. Um bom exemplo é o que acontece em El Pozo. Lá, cerca de 49 famílias (de acordo com uma pesquisa de 2019) estão alojadas na orla da lagoa Setúbal, na praia de Los Alisos, um espaço ocupado há mais de uma década.
Stuff Circuit (Nova Zelândia)
Documentário força retirada de campo de tiro mortal no Afeganistão
Menos de 24 horas após o documentário Life + Limb do Stuff Circuit haver revelado 17 mortos e feridos conectados aos campos de tiro neozelandeses no Afeganistão, a primeira-ministra Jacinda Arden ordenou que a Força de Defensa retirasse imediatamente a artilharia não explodida. O documentário expôs histórias devastadoras de perdas e questionou por que os responsáveis não foram responsabilizados por suas ações.
The Straits Times (Singapura)
Na vanguarda do vírus
No coração da batalha contra a covid-19, os trabalhadores essenciais da Singapura foram postos à prova quando o número de pacientes com coronavírus cresceu e os leitos hospitalares foram preenchidos com velocidade alarmante. De conferências de imprensa diárias a tratamento de pacientes em "salas de consulta" improvisadas ao ar livre, os profissionais da medicina fizeram de tudo para se adaptar aos temores e precauções cercando o vírus. Em fevereiro, o The Straits Times fez uma reportagem especial sobre os esforços de Singapura para lidar com o surto, destacando os esforços de médicos, enfermeiros e funcionários públicos na vanguarda e os cientistas correndo para descobrir uma vacina.
Indiegraf (Canadá)
Jornalismo municipal pode solucionar problemas sistêmicos
É uma época bizarra para se viver. Há uma pandemia, violência policial, uma eleição presidencial cada vez mais caótica - e todos têm um assento de primeira fila no conforto da própria casa. À medida que tudo isso vai acontecendo, o cenário da mídia vem mudando drasticamente nos últimos quatro anos. Os órgãos da mídia tradicional mal conseguem cobrir um presidente disposto a abusar da confiança e da autoridade de sua própria posição por dividendos políticos e golpes baixos no Twitter. Ele alterou o jornalismo político a tal ponto que chega a ser notável um jornalista fazer perguntas suplementares. A proliferação de sites "noticiosos" lançou uma nova era da imprensa partidária que está se fincando no Canadá. Ao mesmo tempo, a cobertura do nível mais crucial do governo, a política municipal, está em declínio. Nunca houve um momento mais importante para o jornalismo municipal. É a razão pela qual o jornalista Matt Stickland lançou uma publicação dedicada à cobertura da política municipal em Halifax.
— A discriminação sistêmica é mais fácil de identificar e de eliminar no nível municipal —diz ele.
Reportagem de GZH
GZH participa este ano do World News Day com a reportagem "Mau uso do auxílio emergencial se espalha no Rio Grande do Sul", de autoria de Giovani Grizotti e Humberto Trezzi, do Grupo de Investigação da RBS. Na farra, havia dono de vinícola e marido de magistrada recebendo o dinheiro que era destinado pelo governo a trabalhadores necessitados. A matéria motivou a abertura de 430 investigações por parte das polícias civil, federal e Ministério Público. A maior parte das pessoas denunciadas terá de devolver o dinheiro sacado. Ao denunciar a farra do auxílio, impediu que essas pessoas sacassem as outras parcelas do benefício.
Depoimento
"É de se enaltecer as iniciativas da imprensa em pesquisar e apontar fraudes e desvios de recursos públicos cometidos, principalmente quando afetam diretamente a parcela da população mais necessitada. O jornalismo investigativo tem se mostrado elemento colaborativo nas transformações nacionais, trazendo luz a questões que devem ser melhor observadas por todos, muitas vezes motivadas por demandas originadas pela própria sociedade.
A série de matérias publicadas pelo Jornal Zero Hora sobre fraudes no auxílio emergencial concedido pelo Governo Federal para minimizar a crítica situação econômica pela qual passam muitos brasileiros em razão da pandemia é um desses exemplos do papel do jornalismo na depuração da sociedade. Além de demonstrar que há vigilância civil, a reportagem serve de elemento de informação para as autoridades iniciarem o seu processo de atuação.
No âmbito da Polícia Federal, em se tratando de desvio de recursos públicos da União, as publicações do Jornal Zero Hora funcionaram como "notícia-crime" para estabelecimento de procedimentos investigatórios. Os fatos noticiados agora passam a ser analisados sob a ótica policial, com a busca da materialidade necessária para o prosseguimento da persecução penal, observadas as normas legais e o princípio da ampla defesa.
Caso as investigações resultem em ação penal, e, ao final do processo, haja condenação, o ciclo resultará completo, iniciado pela voz da sociedade através da imprensa, conduzido pelos atores do sistema jurídico e com a aplicação da pena pelo Estado."
José Antonio Dornelles de Oliveira
Superintendente Regional da Polícia Federal no Rio Grande do Sul