O auxílio emergencial, além de boia para o resgate de milhões de brasileiros empobrecidos pela pandemia do coronavírus, virou também sinônimo de esperteza e imoralidade para muitos. É o que mostrou reportagem do Grupo de Investigação da RBS (GDI), em junho.
O Tribunal de Contas da União (TCU) confirma o constatado pela reportagem. A última estimativa desse órgão fiscalizador é de que R$ 42 bilhões tenham sido distribuídos indevidamente pelo governo federal a 6,4 milhões de pessoas que não teriam direito ao benefício. Essa perspectiva é baseada em pesquisa de 2019 que calculou em 60,5 milhões de brasileiros os aptos a se enquadrar nas regras previstas no auxílio. Para evitar fraudes, o TCU recomendou revisão mensal do cadastro do Ministério da Cidadania.
Integrantes do governo federal ressaltam que os números do TCU são uma projeção e, mesmo que essa perspectiva de irregularidades venha a se confirmar, o benefício já alcançou a cifra de R$ 173 bilhões pagos a 66,7 milhões de brasileiros. Ou seja, os auxílios indevidos não chegariam a 10% dos cadastrados. Por outro lado, sem as fraudes as últimas parcelas de R$ 300 por pessoa poderiam ter chegado a R$ 450 por pessoa.
De concreto, mesmo, o TCU já identificou pagamentos indevidos a 1% dos beneficiados - 620 mil brasileiros, até junho. Esse número pode dobrar, porque ainda não saíram estatísticas de julho e agosto. Fez isso mediante cruzamento de dados da Receita Federal, INSS e folhas de pagamento estatais.
Entre os beneficiados irregularmente, estão 221 mil aposentados do setor privado, 200 mil pessoas que recebem outros auxílios governamentais, 12 mil servidores e pensionistas federais, 122 mil pensionistas e servidores estaduais ou municipais, 17 mil mortos (sim, você leu direito), 21 mil pessoas com CPF nulo (“fantasmas”), e 16 mil pessoas com renda acima do teto previsto. Só no Rio Grande do Sul, já foram rastreados 20 mil possíveis recebimentos ilegais (até junho, mas a cifra deve ser BEM maior).
E o que é feito com essa gente toda? Bom, 132 mil dos irregulares no país já devolveram os valores recebidos. É uma tentativa de evitar processos criminais. Mas as autoridades estão atrás dos relutantes. A Polícia Federal criou em julho a Base Nacional de Fraudes ao Auxílio Emergencial (BNFAE). Ela usa filtros criados pelo Ministério da Cidadania para verificar quem não se enquadra no auxílio.
Os fraudadores são sujeitos às penas de reclusão de um a cinco anos, acrescida de 1/3 (no caso de estelionato qualificado), de dois a oito anos (no caso de furto qualificado) e de três a oito anos (no caso de o crime ter sido praticado por organização criminosa).
Já para os espertalhões individuais, que não são quadrilheiros e apenas foram gananciosos, cresce entre alguns integrantes do Ministério Público Federal a ideia de que possam evitar a prisão, mediante ressarcimento aos cofres públicos. Para isso, teriam de fazer acordo na Justiça, devolvendo até 10 vezes o valor recebido irregularmente.