Editor-chefe do jornal The Straits Times, de Singapura, Warren Fernandez, que preside o Fórum Mundial de Editores, entidade que organiza o World News Day (Dia Mundial da Notícia), celebrado nesta segunda-feira (28), destaca, nesta entrevista, como a pandemia de coronavírus expôs as comunidades à importância de informações confiáveis, apuradas por jornalistas profissionais.
Em muitas regiões, os desertos de notícias, locais onde não há veículos de comunicação profissionais produzindo informação local, estão crescendo. Como enfrentar esse desafio?
A covid-19 mostrou como é vital ter uma mídia confiável para ajudar as comunidades a lidarem com a pandemia. Infelizmente, a pandemia também está atingindo duramente muitas redações. Embora o público tenha crescido, as receitas foram severamente atingidas. A pandemia é, portanto, uma ameaça existencial para muitas redações, especialmente para a mídia local, dando origem aos desertos de notícias. Não existe uma solução fácil ou rápida para esse problema. Precisamos conscientizar todos os nossos stakeholders — leitores, líderes empresariais e comunitários, e também governos locais e nacionais — sobre o papel crítico que a mídia desempenha em nossas sociedades. Este é o nosso principal objetivo no World News Day.
Por que, em uma era de comunicação global, o jornalismo local faz diferença?
Jornalistas locais conhecem melhor suas comunidades. Eles conhecem seu povo, cultura e história. Eles investiram anos cobrindo a comunidade e entendem instintivamente o que é mais importante para ela e por quê. Sem mídia e redações locais, nossas comunidades terão muito mais dificuldade em descobrir o caminho a seguir. Precisaremos de soluções, compromissos em muitas questões importantes. Um bom jornal local pode ajudar a comunidade a lidar com isso.
Com a pandemia, vimos uma disseminação de notícias falsas também sobre o covid-19. O que o jornalismo aprendeu com os desafios da cobertura do coronavírus?
A pandemia mostrou que o público confia em jornalistas profissionais e os procura para obter respostas para as muitas perguntas sobre como se manter seguro e salvaguardar suas vidas e meios de subsistência. As redações que investiram ao longo dos anos na construção de expertise em saúde, ciência e meio ambiente estão colhendo os frutos neste momento. No The Straits Times, nossa equipe de jornalistas especializados em saúde e ciência tem feito muitas reportagens detalhadas sobre o vírus. Estes estão entre os nossos conteúdos mais lidos nos últimos meses, em várias plataformas - em vídeo, podcast, rádio e impresso. O público se volta para eles porque conhece suas qualidades. Os especialistas também estão preparados para se relacionarem com eles, pois são conhecedores do assunto. Quando realizamos um webinar recente sobre a pandemia, tantas pessoas se inscreveram que tínhamos uma lista de espera. Portanto, isso mostra o valor de sermos reconhecidos e capacitados em nossa redação.
Quais foram os desafios em sua redação durante a cobertura do coronavírus em Singapura?
Tivemos de aprender a trabalhar em casa e a inventar um novo processo de trabalho durante o confinamento parcial imposto em abril. Nos surpreendemos. Muitos de nós sempre presumimos que era preciso estar fisicamente presente na redação para publicar o jornal. De que outra forma poderíamos nos encontrar, debater, editar? Mas, quando precisávamos, por causa do vírus, descobrimos que era possível. Conseguimos levar todo o nosso conteúdo e produtos ao público como de costume, e a maioria das pessoas quase não percebeu a diferença. Isso foi um crédito para nossa equipe, e estou muito grato pela forma como todos contribuíram. Agora, estamos acostumados a trabalhar em casa. Mas algo se perde quando jornalistas e editores não conseguem discutir e colaborar entre si na redação. Estamos discutindo a melhor forma de reorganizar nossa redação para que possamos obter o melhor dos dois mundos quando a pandemia passar, como acontecerá no futuro.
Observamos, junto com a pandemia, agressões a jornalistas em países onde governos populistas colocam seus seguidores contra a imprensa profissional - como EUA, Hungria e Brasil, por exemplo. Como o senhor observa essas tentativas de intimidação?
Isso é lamentável e não deve ser tolerado. Os jornalistas têm trabalhos a cumprir, e nós o fazemos a serviço de nossas comunidades. Ninguém deve intimidar jornalistas ou tentar minar sua credibilidade. O jornalista não é a história, e o mensageiro nunca deve se tornar o alvo. As sociedades precisam de uma mídia confiável para funcionar adequadamente.