Novas mensagens trocadas entre diplomatas de Washington e Kiev reveladas nesta sexta (4) deixam mais clara a pressão exercida pelo presidente dos EUA, Donald Trump, para que o governo ucraniano investigasse a família do democrata Joe Biden.
A divulgação das conversas acontece no mesmo dia em que o novo procurador-geral da Ucrânia, Ruslan Ryaboshapka, anunciou a revisão de casos conduzidos por seus antecessores, incluindo o da Burisma, empresa de gás na qual Hunter Biden, filho do pré-candidato à Presidência, trabalhou.
Segundo as mensagens, divulgadas pela Câmara dos Representantes dos EUA, Trump só aceitaria receber na Casa Branca o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, caso ele retomasse a investigação contra os Biden e a anunciasse publicamente.
Ex-vice de Barack Obama (2009 a 2017), Joe Biden é um dos principais pré-candidatos democratas à eleição presidencial de 2020 e alvo frequente de ataques de Trump.
Embora as mensagens não citem os Biden nominalmente, congressistas democratas defendem que se trata de uma prova clara de que o presidente usou o poder da política externa dos EUA para tentar obter ganhos políticos pessoais.
Essa acusação é o ponto central do processo de impeachment contra o republicano.
As mensagens foram entregues aos deputados pelo ex-enviado especial dos EUA à Ucrânia Kurt Volker, que depôs a portas fechadas no Congresso nesta quinta-feira (3).
Em uma delas, de 25 de julho, horas antes do telefonema entre Trump e o líder ucraniano, Volker escreveu a Andrey Yermak, assessor de Zelenski.
"Ouvi a Casa Branca dizer — supondo que o presidente Z convença Trump de que ele investigará / 'irá a fundo no que aconteceu' em 2016, definiremos a data da visita a Washington".
O contato mostra que o governo americano condicionou a ida à Casa Branca à retomada das apurações.
Duas semanas depois do telefonema, ainda não havia acordo para a visita de Zelenski à Casa Branca, e os diplomatas buscavam formas de convencer os ucranianos a atender o pedido de Trump.
Outra mensagem entregue por Volker mostra que Gordon Sondland, embaixador dos Estados Unidos para a União Europeia, sugeriu em 9 de agosto que Zelenski organizasse uma entrevista coletiva para anunciar a retomada da investigação.
Sondland e Volker não só recomendaram o anúncio como também elaboraram um rascunho de parte do discurso que o presidente ucraniano faria na ocasião.
"Nós pretendemos iniciar uma completa, transparente e imparcial investigação sobre todos fatos e episódios disponíveis, incluindo aqueles que envolvem a Burisma e as eleições dos EUA de 2016, o que evitará que esse problema aconteça novamente no futuro", escreveu Volker. Sondland rapidamente respondeu: "Perfeito".
Assim como fizeram com o agora ex-enviado especial, os deputados democratas pediram à Casa Branca que fornecessem documentos referentes ao caso. Como o prazo estabelecido pelos comitês da Câmara — esta sexta-feira — não foi respeitado, o governo americano foi intimado a fazê-lo.
"Parece claro que o presidente escolheu o caminho da provocação, da obstrução e do acobertamento", afirmam, em carta, os presidentes dos comitês da Câmara, responsáveis pelo inquérito de impeachment.
Muitos dos registros requerido contêm informações sensíveis e normalmente seriam declarados sigilosos sob o privilégio executivo — uma prerrogativa legal da Presidência.
Por fim, os presidentes dos comitês da Câmara também requisitaram ao vice-presidente americano, Mike Pence, que fornecesse até o dia 15 de outubro uma longa lista de documentos sobre as tratativas do governo com a Ucrânia.
O material tem o potencial de revelar se Pence participou do diálogo com Kiev, e, em caso positivo, de que forma e em que momentos o vice-presidente teria atuado.
"Recentemente, relatórios públicos levantaram dúvidas sobre qual papel o senhor (Pence) teria desempenhado, se reforçou ou transmitiu a mensagem do presidente (Trump) ao presidente ucraniano", escreveram os democratas Adam Schiff.
Ainda nesta sexta, o inspetor-geral da Inteligência Nacional, Michael Atkinson, se reuniu a portas fechadas com congressistas no Capitólio.
Ele foi o primeiro oficial a receber a denúncia anônima que embasou o pedido de impeachment — e conduziu investigação preliminar por conta própria para verificar a validade das acusações antes de transmitir a queixa ao Congresso.
Os democratas esperam que a colaboração de Atkinson possa ajudar nos esforços de construir narrativa detalhada dos contatos entre Casa Branca e autoridades ucranianas.
Atkinson já havia se encontrado com deputados do Comitê de Inteligência da Câmara, mas, à época, ele não estava autorizado a comentar detalhes da queixa.
À luz das novas informações divulgadas nos últimos dias, o senador republicano Mitt Romney (Utah), um dos poucos membros do partido de Trump que tem criticado a conduta do presidente, condenou os comentários feitos pelo republicano na quinta (3).
O líder americano disse em uma entrevista coletiva que os negócios de Hunter Biden com Pequim, na época em que o pai dele era vice-presidente, deveriam ser apurados.
"Quando o único cidadão americano que o presidente Trump escolhe para ser alvo de uma investigação feita pela China é seu adversário político, durante o processo de escolha do candidato democrata [à eleição de 2020], é difícil acreditar que esse ato não tem motivação política", afirmou o congressista, em nota.
"O apelo agressivo e sem precedentes do presidente à China e à Ucrânia para que investiguem Joe Biden é errado e deplorável", completou.