Miguel (nome fictício) tinha acabado de completar quatro anos quando iniciou sua jornada aos EUA. Saiu do Brasil em agosto para entrar no país via México — uma rota tão arriscada quanto conhecida pelos imigrantes sem documento. Quem o acompanhava, porém, não eram seus pais biológicos.
O casal que levava o garoto foi preso pelos agentes de imigração na fronteira com o Texas, enquanto Miguel seguiu para um abrigo em Chicago, onde está há mais de 50 dias.
Seus pais, Jussara Maria da Silva e Regiany Assis Costa, já estavam nos EUA e afirmam que entregaram o menino ao casal da travessia seis meses antes, ainda no Brasil.
Desempregado e sem dinheiro para criar seis filhos em Gonzaga, pequena cidade no interior de Minas, Costa diz que decidiu doar o caçula e tentar vida nova nos EUA.
Levou a mulher e uma das crianças em meados de junho, e as outras, relatou à reportagem, tinham cruzado a fronteira um mês antes, com casais brasileiros que as devolveram quando a família chegou.
— Arrisquei minha vida e a dos meus filhos, mas é para dar um futuro melhor a eles. Não roubei, não matei. Se não der certo, volto ao Brasil.
Os três viajaram até o México, hospedaram-se em um hotel na fronteira e, em seguida, entregaram-se à imigração.
Juntos, ficaram detidos por quatro dias e, depois de liberados, foram para a Filadélfia. Lá, eles esperam o desfecho do pedido de asilo econômico para não serem mandados de volta ao Brasil.
A história é recorrente entre os que tentam entrar nos EUA sem documento.
Adultos cruzam a fronteira com menores de idade e se entregam às autoridades migratórias, evitando a deportação imediata, já que crianças não podem ficar sozinhas durante os trâmites de repatriação.
Com habitual retórica anti-imigração ilegal, o presidente americano, Donald Trump, havia endurecido essas regras e implementado uma política de tolerância zero que separava as famílias na fronteira.
Após a repercussão negativa, entretanto, o presidente precisou rever as medidas, impulsionando empreitadas como as de Costa.
Ele afirma que pegou um empréstimo para pagar as passagens de avião ao México e que a ideia de entrar nos EUA pelo esquema conhecido como "cai-cai" foi dele.
— Eu pus isso na cabeça e vim.
Com Miguel, porém, a situação fugiu do planejado, e o menino foi separado dos adultos que o acompanhavam.
— É isso que não entendo, ainda mais apresentando documentos originais — afirma Costa em referência à doação do filho que diz ter sido registrada em cartório brasileiro. Advogados divergem sobre a legalidade desse tipo de acordo.
Ele diz que seu objetivo agora é esperar que os amigos sejam soltos e reaver Miguel — que ele ainda não encontrou desde a saída do Brasil.
Na semana passada, o Consulado do Brasil em Chicago pediu ajuda de grupos de brasileiros nos EUA para tentar encontrar os pais da criança.
Depois dos anúncios divulgados nas redes sociais, começaram a circular boatos de que Costa e a mulher estavam alugando seus filhos para facilitar a travessia de terceiros.
O pai de Miguel rechaça a acusação e afirma que não recebeu dinheiro dos casais que levaram suas crianças. Mas não explica a razão de ter não terem viajado todos juntos.
Ele diz ainda que estava em contato com o abrigo antes de o consulado fazer o chamado.
— Postaram na internet que eu tinha vendido meus filhos, mas eles estão todos comigo. Minha esposa está doente com isso, chora dia e noite.
Procurado, o consulado brasileiro em Chicago afirma que houve "uma falha de comunicação" na divulgação da história de Miguel e que a família "já havia sido encontrada."
Por email, o órgão informou que não pode fornecer detalhes da situação porque informações pessoais neste caso estão protegidas por sigilo.
Além de Miguel, os quatro filhos de Costa que cruzaram a fronteira estão com ele nos EUA. A mais velha, de 13 anos, mora em Minas com a avó.
Trabalhando de carpinteiro enquanto a mulher faz bicos como faxineira, Costa diz que vai usar a certidão de nascimento para provar a paternidade de Miguel, tirá-lo do abrigo e juntá-lo com os irmãos.
Questionado se vai arriscar o mesmo roteiro com a única filha que ficou no Brasil, desanima:
— Depois que passamos por isso, não tem como.