Uma distribuidora de alimentos vendeu à prefeitura de Cachoerinha produtos da cesta básica por valores bem acima do mercado. O sobrepreço atinge até sacos plásticos usados pra embalar os alimentos destinados a vítimas da enchente. Administração municipal anunciou abertura de sindicância e suspensão dos pagamentos à empresa.
Durante o mês de maio, a prefeitura de Cachoeirinha, na Região Metropolitana, comprou R$ 491 mil da Cestas Básicas Rio Grande. Uma das notas, de 15 de maio, relaciona sete produtos. O quilo do açúcar refinado foi vendido a R$ 27,89. O Grupo de Investigação da RBS (GDI) ligou para a empresa afim de confirmar o valor. O preço informado foi de R$ 6,30.
Já o sachê de molho de tomate com 300 gramas foi vendido à prefeitura a R$ 16,89. Mas o preço informado pela funcionária da distribuidora foi cerca de 11 vezes menor: R$ 1,50.
Procurados pelo GDI, empresa e prefeitura deram versões distintas para justificar as diferenças. André Lima, destacado pelo prefeito Cristian Wasem Rosa (MDB) para dar entrevista, declarou que houve um “erro na emissão das notas fiscais”.
— A empresa teve um erro na emissão das notas ficais e eles estão emitindo as notas certas, por que teve item que elas trocaram o preço, então claramente há um erro contábil da empresa, mas que não há prejuízo à municipalidade — disse Lima.
Em nota, a empresa Cestas Básicas Rio Grande afirma que devido ao processo de calamidade no Estado, teve que comprar alguns itens com preços muito elevados e até mesmo cestas prontas. Por cada uma, teria pago ao fornecedor R$ 142. A empresa admite que certos alimentos aparecem com valores acima do de mercado, mas que em outros, a margem de lucro foi pequena ou zero (leia nota abaixo).
O GDI adquiriu por R$ 111,28, em um hipermercado, a preço de varejo, os mesmos itens da cesta básica comprada pela prefeitura de Cachoerinha a R$ 240.
— Elevações de preço decorrentes de contingências, que são justamente aquelas que causam a calamidade, até são justificáveis. Mas como a comparação foi feita em preços realizados na mesma época, no mesmo período em que as contratações dessas cestas básicas aconteceu, me parece que não há justificativa mercadológica para essa sobreprecificação, adverte o advogado Rafael Maffini, professor de direito administrativo da UFRGS.
Depois da entrevista do assessor tentando justificar os preços, a prefeitura de Cachoeirinha divulgou uma nota nas redes sociais, anunciando abertura de sindicância e suspensão dos pagamentos à empresa. E prometeu afastar os responsáveis se comprovadas as denúncias. É o que esperam moradores que perderam tudo na enchente.
— Não temos ajuda aqui, dinheiro não veio nada, não recebemos nada, nem kit de limpeza temos aqui, então aí tirar da comida, poxa, não tem o que falar, né? Porque tirar do pessoal aí, olha aí o estado que tá a rua, desse jeito, aí tu vem e põe uma lata de azeite por 20 e poucos reais, cara, não tem cabimento — protesta o motorista de aplicativo Paulo Rogério Medeiros.
O que dizem os envolvidos
Nota empresa
Conforme solicitado estou enviando alguns documentos sobre a aquisição desses itens.
Devido ao processo de calamidade no nosso estado, acabamos tendo que comprar alguns itens com preços muito elevados, ou até mesmo cestas prontas.
Sobre a nota fiscal 1135, o açúcar refinado chegou com valor de R$ 7,33, o molho de tomate a R$ 4,14. Como vendemos kits de cestas básicas e não itens avulsos, na nota de venda acabamos colocando uma margem pequena ou zero em algum item e colocamos uma margem maior em outros, para totalizar o valor final do kit.
Sobre a nota fiscal 1139, estou te enviando a nota de compra no valor de R$ 143,00 a unidade da cesta básica, sendo que nosso fornecedor está situado na barra do ribeiro, tendo que arcar com custos de frete extra. A mesma foi vendida por R$ 240,00 ficando em torno de 50% de margem bruta.
Sacola plástica, como foi passado, estou te enviando a nota fiscal de compra, no valor médio de R$ 1,60 a unidade, assim como citado anteriormente vendemos kits e não itens unitários, na nota colocamos margem em alguns itens e outros não, para fechar o valor final do kit vendido.
Nota Prefeitura de Cachoeirinha
Em virtude das enchentes que acometeram Cachoeirinha, com mais de 25.000 moradores que tiveram de sair de suas casas, a Prefeitura realizou a compra emergencial de itens essenciais para atendimento imediato às famílias atingidas. Em nosso compromisso com a transparência, idoneidade e seriedade, informamos que detectamos possíveis erros ou, ainda, suposta má conduta nestes procedimentos, processos estes que, inclusive, sofreram apontamentos em análise da contadoria geral do município, anteriormente a remessa para liquidação e pagamento, o que será objeto de apuração.
Imediatamente, no dia 25.5.2024, abrimos um processo interno para a Procuradoria-Geral do Município, solicitamos a análise do processo de aquisição destes itens alimentícios, para evitar a possibilidade de prejuízo aos cofres públicos. Somado a isto, por ordem do prefeito, foi suspenso temporariamente o pagamento destes itens até o final da análise técnica e, ainda, foi determinada a abertura de uma sindicância para apuração de eventuais erros e, após, seguirá o procedimento de sindicância para apurar possíveis responsabilidades. Vide a cronologia dos Eventos:
- 25/05/2024 – Sábado: o secretário de Gestão solicita ao prefeito averiguação dos procedimentos e condutas em relação à aquisição dos produtos
- 27/05/2024 - Segunda-feira: o prefeito encaminhou o processo ao Procurador-Geral do Município para averiguação dos fatos
- 27/05/2024 - Segunda-feira: o Procurador-Geral do Município encaminhou o caso à Unidade Central de Controle Interno (UCCI) para manifestação
- 27/05/2024 - Segunda-feira: a UCCI encaminhou ao Gabinete do Prefeito o Comunicado 11/2024, apontando inconformidades em empenhos específicos e orientando a suspensão de futuros pagamentos à empresa mencionada, concedendo um prazo de 10 dias para manifestação sobre as inconformidades apontadas
- 27/05/2024 - Segunda-feira: o prefeito ordenou a abertura de um processo de sindicância para averiguar eventuais irregularidades e a consequente responsabilidade nos processos administrativos listados no documento da UCCI
- 28/05/2024 - Terça-feira: o prefeito ordenou à Fazenda a suspensão de qualquer pagamento à empresa indicada no processo. Caso seja detectada atuação incorreta por parte de qualquer ente da prefeitura, serão tomadas as medidas legais cabíveis e o afastamento imediato dos responsáveis.
Reafirmamos nosso compromisso com a transparência e lisura em todas as nossas ações, bem como a Prefeitura de Cachoeirinha segue firme no propósito de servir à população na forma da lei