A investigação da Polícia Civil a respeito das cirurgias realizadas pelo médico de Novo Hamburgo, João Couto Neto, 46 anos, começou após representação criminal protocolada pelo advogado Thiago Dutra, de Porto Alegre. Ele apresentou queixa-crime em nome de 15 pessoas que se submeteram a cirurgias ou são familiares de mortos durante operações, que alegam erros médicos e maus-tratos.
Dutra diz que se surpreendeu, durante o velório de uma das vítimas — mãe de um amigo —, ao verificar que várias pessoas tinham reclamações contra o mesmo médico. Ele resolveu organizar os relatos para abertura de ações na Justiça, tanto no campo criminal quanto no cível (pedidos de indenizações).
A investigação criminal ficou com o delegado Tarcísio Lobato Kaltbach, da 1ª Delegacia de Polícia de Novo Hamburgo, cidade do Vale do Sinos que concentra a maior parte das cirurgias feitas pelo médico.
— A maior parte das reclamações é quanto ao pós-operatório. O médico tratou muitos pacientes com descaso, ignorando suas queixas, minimizando a gravidade da consequência de cirurgias malsucedidas. Algumas vezes ele deixou de encaminhá-los à UTI, agravando assim a situação dos doentes — constata o delegado.
Depoimentos de funcionários da área de saúde que trabalharam com Couto informam que o médico realizava até 25 cirurgias em um dia. Os investigadores desconfiam que tamanha carga de trabalho impedia que o cirurgião atentasse para detalhes dos procedimentos e dos pós-operatórios.
A profusão de relatos de negligência e imperícia fez com que o delegado pedisse a prisão preventiva de Couto. A Justiça resolveu conceder apenas o afastamento do médico das suas funções por 180 dias, devendo ele se abster de realizar quaisquer cirurgias ou intervenções invasivas. Ele também está proibido de manter contato com vítimas e testemunhas, sob pena de prisão.
Com apoio do Ministério Público, os policiais também obtiveram autorização judicial para o cumprimento de três mandados de busca e apreensão na residência do médico, no consultório dele e no Hospital Regina, em Novo Hamburgo, onde Couto mais opera, na tentativa de localizar celulares, aparelhos eletrônicos, prontuários, fichas de atendimento, boletins médicos e relatórios de evolução médica. Toda a documentação apreendida está sendo analisada e, junto ao depoimento das vítimas, será encaminhada ao Instituto-Geral de Perícias (IGP) para avaliar possíveis omissões do cirurgião em relação aos cuidados com os pacientes, informa o delegado.
Couto foi intimado a depor, mas optou por permanecer em silêncio. Compareceu na 1ª DP acompanhado de dois advogados. Os policiais cogitam pedir avaliação psiquiátrica do médico investigado.
Couto é investigado pelos crimes de homicídio por dolo eventual, previsto no artigo 121 do Código Penal, com pena prevista de seis a 20 anos de reclusão.
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Conselho tem processos em andamento
O Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers) abriu uma sindicância para apurar a conduta de Couto relativa aos casos registrados na 1ª DP de Novo Hamburgo. Ele já responde a investigações internas e, no passado, sofreu reclamações que foram arquivadas — uma delas por unanimidade.
O presidente do Cremers, Carlos Sparta, informa que a sindicância, com prazo máximo de seis meses, pode resultar em abertura de processo médico disciplinar e até na interdição do médico para o exercício da medicina por um período de 12 meses. São sete conselheiros que participam da sindicância. Além do investigado, são ouvidos colegas dele, outros profissionais de saúde, como enfermeiros e técnicos de enfermagem, além de pacientes.
A sindicância pode ser arquivada ou resultar em três tipos de providência: termo de ajustamento de conduta, processo ético ou interdição cautelar do profissional.
O processo, quando aberto, é relatado por um conselheiro e apreciado por sete conselheiros, com absolvição ou condenação. Pode resultar em censura privada ou pública, suspensão da licença médica ou até seu cancelamento, em casos graves ou reiterados de erros.
O Sindicato Médico (Simers) não tem procedimento aberto a respeito de Couto. Via de regra, essa entidade trabalha na defesa das condições de trabalho dos médicos.
A maioria dos casos aconteceu no Hospital Regina, estabelecimento onde o médico fez mais de 1,1 mil procedimentos cirúrgicos em 11 meses.
— É tanta reclamação contra o médico que policiais têm sido obrigados a ouvir relatos durante o turno da noite — descreve o delegado Kaltbach.
Além das vítimas, integrantes do corpo clínico do Hospital Regina foram chamados a prestar depoimentos.
Ouvidoria e Comissão de Ética do hospital recebem queixas
O Hospital Regina informa que a Comissão de Ética e a ouvidoria investigam as queixas. E emitiu uma nota oficial:
"Prezando pela ética e transparência em suas ações, características que marcam a trajetória da Instituição nestes 92 anos, o Hospital Regina informa que colabora com a Polícia Civil, Ministério Público e Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em sua investigação e que não informa nenhum detalhe sobre os trâmites das autoridades. O Hospital Regina reafirma seu compromisso com a saúde da comunidade e segue normalmente com seu atendimento".
Contraponto
O que diz a defesa de João Couto Neto
O advogado Brunno Lia Pires ressalta que não há unanimidade nas queixas contra o cirurgião. Ele listou pelo menos cinco pacientes que tecem elogios públicos ao médico. Diz que eles se colocam à disposição para defender Couto na Justiça, porque consideram que ele realizou um bom trabalho. Em nota, Lia Pires acrescenta:
"Em virtude de a defesa do dr. João Couto Neto não ter tido acesso à integralidade dos autos do inquérito, qualquer manifestação nesta hora seria precipitada. Importante frisar que será sim apresentada a versão do médico em momento oportuno, quando todos os documentos necessários tiverem sido aportados à investigação. A defesa tem plena certeza de que os fatos serão, com o tempo, devidamente esclarecidos, comprovando-se a completa correção nos procedimentos adotados pelo médico".