O problema das obras suspensas pela construtora MVC vai muito além do território gaúcho. Hoje, há 9,7 mil projetos de escolas infantis e canchas esportivas inacabados ou paralisados no Brasil. Desses, 1,2 mil são da MVC, aponta auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU).
Na fase inicial do Proinfância, a MVC foi a que recebeu mais contratos no país. Ganhou licitação para erguer 1.241 creches entre 2013 e 2015. A maioria não saiu do papel. Se no Rio Grande do Sul ela concluiu 6% dos 208 contratos, em nível nacional o desempenho foi pior: 0,64%, conforme o TCU. Foi a performance menos eficaz entre as empreiteiras que propunham método alternativo de construção (a Casa Alta fez 2,7 % do contratado, o Consórcio PIB fez 4,8% e a Consórcio Concreto PVC, 5,9%).
Inconformadas, prefeituras têm recorrido à Justiça. O GDI encontrou 58 ações a respeito das creches inconclusas da MVC. Elas tramitam em nove Estados: Rio Grande do Sul, Sergipe, Bahia, Maranhão, Pernambuco, Piauí, Espírito Santo, Alagoas e São Paulo. Quase todas solicitam indenização. Dois procedimentos, um em Novo Triunfo (BA), e outro em Marechal Deodoro (AL), estão na esfera criminal. Sua base está em supostas irregularidades na licitação.
No Rio Grande do Sul, são pelo menos 21 as prefeituras pedindo indenização à MVC. Algumas cidades contabilizam até quatro escolas inconclusas, prometidas pela empresa, caso de Gravataí. Além desse município, a reportagem localizou processos na Justiça Federal em Gramado, Farroupilha, Bom Jesus, Caxias do Sul, Nova Hartz, Tramandaí, Osório, Terra de Areia, Três Cachoeiras, Portão, Carazinho e Itaqui. Todos na área cível.
Já tiveram ganho de causa as prefeituras de Gravataí (R$ 4,2 milhões por seis escolas inconclusas, quatro delas da MVC), Gramado, Bom Jesus e Farroupilha (R$ 240 mil por escola, cinco ao todo, mais juros desde 2015).
O FNDE não exigiu garantias suficientes, e as obras ficaram concentradas em poucas empresas. Elas não conseguiram cumprir o pactuado e os municípios ficaram na mão
FABIANO DE MORAES
Procurador do MPF
— O FNDE não exigiu garantias suficientes, e as obras ficaram concentradas em poucas empresas. Elas não conseguiram cumprir o pactuado e os municípios ficaram na mão — resume o procurador Fabiano de Moraes, que atuou pelo Ministério Público Federal (MPF) em casos julgados na Serra.
Na Justiça Estadual, ZH encontrou, judicializadas, causas em Passo Fundo, Carazinho, Iraí e Sananduva. E investigações do Ministério Público em Ametista do Sul, Erechim, Erval Seco, Frederico Westphalen e Três Arroios.
Empresas culpam o governo
Em julho de 2017, a MVC entrou em recuperação judicial e mudou a razão social para Gatron Inovação em Compósitos. A Gatron, que contratou o escritório Carpena Advogados para mover ações de indenização contra o governo federal, informa que os problemas começaram com falta de repasses do FNDE. A MVC gerava 6 mil empregos na época, “o que foi comprometido, devido à irresponsabilidade do governo”, segundo os advogados, em nota. Hoje a empresa gera cerca de 600 empregos diretos.
“Em 2014/2015, a MVC fez mais de 10 reuniões no Ministério da Educação, explanando o problema da inadimplência e solicitando a retomada das obras, sob pena de a empresa quebrar e as creches não serem entregues. À época, o governo federal estava sem recursos para repassar aos municípios. A MVC conversou com mais de cinco ministros da Educação, mas, dada instabilidade política da época, a falta de recursos financeiros, a ameaça de impeachment de Dilma Rousseff, nenhuma conversa trouxe resultados. A cada semana, caía um ministro, inclusive da Educação”, ressaltam representantes da Gatron em nota.
A respeito dos processos judiciais aos quais responde, a Gatron afirma que tem provado que é “vítima de uma gestão desastrada pelo FNDE, que não só não atendeu o pactuado sob o ponto de vista financeiro, como também de atendimento às especificidades e problemas enfrentados por cada município”.
A Artecola, maior sócia da MVC até então, também alega que seus problemas financeiros vieram com o não repasse integral dos valores pactuados pelo governo federal aos municípios. Menciona ainda alterações na gestão do FNDE. A defesa da Artecola nos processos judiciais tem argumentado que várias estruturas de escolas já pré-fabricadas (em chapas) não foram enviadas aos municípios porque prefeituras demoraram na entrega dos terrenos, que deveriam estar previamente terraplenados e prontos para o início da obra.
Conforme comunicado da Artecola, a empresa se afastou da construção civil “em consequência da crise iniciada a partir de contratos assinados pela MVC com o poder público, envolvendo a execução de creches do programa ProInfância. A União, através do FNDE e do MEC, não honrou seus compromissos, suspendendo os pagamentos do projeto a partir da gestão que tomou posse com o novo governo, em 2015. Como consequência, a MVC não teve como cumprir seus compromissos, e a Artecola, fiadora da MVC à época, foi acionada em causas financeiras e trabalhistas”.
Contatada, a Marcopolo declara que sua participação na MVC era minoritária, apenas de investidora, sem poder de gestão. E esclarece que já foi excluída de processos relacionados ao tema. A empresa reforça ainda que não há nenhum processo transitado em julgado no qual tenha sido condenada.
O FNDE se manifestou em nota: “A direção do FNDE informa que era de responsabilidade dos municípios a adoção de medidas cabíveis no sentido de compelir as empresas a executarem as obras. O FNDE não efetivou nenhum pagamento à empresa MVC. Os recursos são repassados aos entes federados (municípios), que contrataram a empresa. O FNDE não tem competência para acionar judicialmente a MVC pelo não cumprimento dos contratos. Cabe aos entes federados mover ações judiciais, se necessário. O FNDE analisa a prestação de contas para avaliar a correta aplicação dos recursos e a análise técnica para verificar a execução das obras, de modo a aferir o cumprimento das metas previstas e a conclusão do objeto”.