O Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul abriu um expediente conhecido como notícia de fato para verificar detalhes da parceria entre a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) e a Sociedade Educacional Monteiro Lobato, assinada em 27 de julho de 2020, para a oferta do curso de Letramento Digital aos professores da rede ao custo inicial de R$ 2,7 milhões.
O rito determina que o caso seja distribuído para análise de um promotor. O estágio é inicial e caberá a ele decidir se há elementos que justifiquem ou não a abertura de uma investigação. A notícia de fato será apreciada na Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público de Porto Alegre.
O programa Letramento Digital ficou sob a tutela do Departamento Pedagógico da Seduc, liderado pela diretora Letícia Grigoletto desde o período de assinatura do acordo. O professor Márcio Machado, companheiro da diretora, participou da formação por intermédio de duas organizações. Pela Monteiro Lobato, que firmou termo de fomento com a Seduc, atuou como consultor educacional, coordenou o curso e ministrou as aulas. Já pela empresa i51 Inovação, da qual é sócio, Machado foi subcontratado para a produção de conteúdo, mediante remuneração.
A diretora do Departamento Pedagógico ordenou despesa para quitar parte do acordo da Seduc com a Monteiro Lobato e também foi designada gestora suplente da parceria. O casal ministrou em conjunto uma das aulas da formação. Pelo termo de fomento, a Seduc ficou responsável pelo acompanhamento e fiscalização da parceria. Dessa forma, um companheiro acabou obtendo a atribuição de avaliar o trabalho do outro.
A lei federal (9.784/99) que regula o processo administrativo na gestão pública diz que está impedido de atuar em trâmites o servidor ou autoridade que "tenha interesse direto ou indireto na matéria". A mesma legislação determina que pode ser "arguida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau". O caso foi revelado em reportagem do Grupo de Investigação da RBS (GDI).
Em outro aspecto da parceria, a Seduc definiu os valores do termo de fomento para que 60 mil professores da rede estadual fizessem a capacitação, ao custo individual de R$ 45, totalizando R$ 2,7 milhões. Contudo, nas últimas 14 aulas, da metade do curso até o final, foram registradas menos de 20 mil visualizações nos vídeos, conforme audiência informada pela Seduc em 18 de abril deste ano.
A primeira edição do Letramento Digital ocorreu entre 27 de julho e 5 de outubro de 2020. A iniciativa tinha o objetivo de capacitar os professores para atuar em aulas remotas em meio à pandemia. Foram 30 aulas e outros 27 vídeos veiculados no YouTube, destinados a sanar questionamentos, chamados "tira dúvidas". Uma segunda edição do curso foi realizada entre setembro e dezembro de 2021, com aditivo de R$ 539,5 mil. O valor total a ser repassado à Monteiro Lobato é de R$ 3,2 milhões.
O Ministério Público de Contas (MPC) também examina os fatos em expediente recentemente instaurado.
Comissão de Educação pede explicações à Seduc
A Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa reuniu-se na manhã de terça-feira (24), em encontro ordinário, e discutiu o caso. Deputados estaduais do colegiado, que já tinham uma reunião prevista para ocorrer na semana que vem com a secretária da Educação, Raquel Teixeira, solicitaram que seja incluída na pauta a apresentação de explicações sobre as parcerias do Letramento Digital.
— É preocupante que exista relação familiar entre o ordenador de despesa e o prestador de serviço. Isso enseja uma avaliação da legalidade e da moralidade do procedimento. Pedimos explicações da Secretaria — afirmou a deputada estadual Luciana Genro (PSOL), integrante titular da comissão.
Contraponto
Os envolvidos afirmam que o termo de fomento foi assinado entre Secretaria Estadual da Educação e Sociedade Educacional Monteiro Lobato, organização da sociedade civil que cumpria o requisito de estar previamente credenciada junto ao Estado para a assinatura de acordos amparados pela Lei das Parcerias. Por isso, consideram que não houve nenhuma irregularidade. Salientam que os serviços foram prestados e bem avaliados, além de ressaltarem que Machado tem currículo reconhecido no mercado da educação.