Em reunião da Mesa Diretora na quarta-feira (2), a vereadora Mônica Leal (PP) foi sorteada relatora da representação contra o colega Alexandre Bobadra, da bancada do PSL. Conforme expediente apresentado pelo vereador Roberto Robaina (PSOL), Bobadra pode ter infringido o Código de Ética da Câmara Municipal de Porto Alegre ao acumular a função de parlamentar com a de agente penitenciário, sem cumprir expediente na função de policial penal.
Mônica, contudo, comunicou à direção da Câmara de Vereadores que declara-se impedida de assumir a função. Ela diz que foi "constrangida" por Bobadra depois da reunião da Mesa do dia 26 de maio, quando a representação contra ele foi debatida entre os membros do colegiado que administra a Câmara. Mônica é integrante da Mesa, participou das discussões e os parlamentares manifestaram opiniões. Ela alega ter sido procurada por Bobadra depois. Ele supostamente sabia o que ela havia afirmado no encontro e apresentou suas razões.
A vereadora disse ter sofrido o mesmo "constrangimento" com o primeiro suplente Cláudio Conceição (PSL), que assume o cargo caso haja a penalidade mais grave no processo, de perda de mandato. Conceição teria telefonado para Mônica também no dia 26 de maio, quando a Câmara iniciou o debate sobre a representação de ética. E, nesta quarta-feira (2), Mônica diz que Conceição "ligou para uma pessoa das minhas relações dizendo que sabia que eu era a relatora antes mesmo de eu saber".
— Às 14h (do dia 26 de maio), no plenário, ele (Bobadra) me procurou para dar suas justificativas. Ele disse: "Eu sei de tudo que foi falado na reunião. Eu fiquei sabendo, eu fui num aniversário da vereadora Nádia (Gerhardt), tinha oito vereadores e eu fiquei sabendo lá". Eu me senti muito mal com a situação. Não bastando isso, recebi uma ligação do vereador à noite, me falando mais um pouco das razões dele. E hoje, que eu não estava (na reunião da Mesa) e fui sorteada, fiquei sabendo que o vereador (suplente) Conceição já sabia que eu era a relatora antes mesmo de eu saber. Me sinto impedida de ser relatora — disse Mônica.
Ela avaliou ter sido "constrangida":
— O conteúdo do diálogo (da reunião da Mesa) vazou justamente para a pessoa em questão. Eu fui procurada, pega de surpresa e ele (Bobadra) mesmo disse: 'Não há nada que eu não fique sabendo', uma coisa assim. Uma coisa constrangedora.
Agora, caberá à Mesa Diretora da Câmara decidir como proceder ante o requerimento de Mônica e como escolher um novo relator. Ela diz que, caso seja sorteada de novo, aceitará somente se for imposição legal.
— Se as minhas razões (de impedimento) não forem aceitas pela Lei Orgânica, óbvio que vou cumprir (a função de relatora), mediante um novo sorteio — diz Mônica.
Procurado pela reportagem, Bobadra disse que a vereadora pode ter feito uma interpretação equivocada dos fatos. Ele negou qualquer situação de constrangimento.
— A Mônica pode ter presumido isso, mas não tem nada a ver. Respeito muito a vereadora Mônica. Ela é experiente, tem muitos mandatos, pessoa séria. Ela pode ter concluído de forma equivocada. Independente de quem for o relator, estou bastante tranquilo — assegurou Bobadra.
O suplente Conceição, que já teve assento na Câmara em legislaturas passadas, se pronunciou via nota: "Sim, liguei uma única vez para a vereadora Mônica Leal na semana passada. Em nome do coleguismo construído no mandato passado. Sempre atestei a lisura de seu caráter, integridade e transparência como parlamentar. E reafirmei que, caso viesse a ser escolhida como relatora, estaria em boas mãos, certamente iria desempenhar um trabalho ético e justo para a cidade. O que veio a acontecer hoje no sorteio da Mesa Diretora".
O caso
Reportagens de GZH revelaram que Alexandre Bobadra acumulou, desde 1º de janeiro, os cargos e as remunerações de vereador e de agente na Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe). Ele recebeu os salários de servidor penitenciário mesmo sem ter trabalhado e efetivamente cumprido a carga horária da função. Entre janeiro e março, em valores brutos, Bobadra obteve R$ 40,3 mil pela folha de pagamento da Susepe.
Desde janeiro, ele emendou licenças de paternidade, saúde e prêmio, além de um período de férias, para manter-se vinculado à função, recebendo o soldo sem a necessidade de cumprir escala. Recentemente, após a revelação do caso, Bobadra apresentou petição junto à Secretaria Estadual da Administração Penitenciária (Seapen), controladora da Susepe, solicitando licenciamento do cargo de policial penal a partir de 30 de maio.
O artigo 38 da Constituição e o 156 da lei complementar 10.098 dizem que o vereador somente poderá acumular funções do setor público caso haja compatibilidade de horários. Ou seja, se não há como exercer o mandato de vereador e cumprir carga horária da outra função pública, o parlamentar deve se licenciar do cargo efetivo. Após a publicação da reportagem, a Seapen anunciou que Bobadra teria de devolver os salários recebidos sem trabalhar. O vereador tem o direito de recorrer administrativamente da decisão da Seapen.
A representação, assinada por Robaina e pela bancada do PSOL, é baseada no artigo 3º do Código de Ética da Câmara: a norma diz, entre outras proibições, que é “expressamente vedado” ao vereador, a partir do momento da posse, “exercer qualquer outro cargo público ou desempenhar outro mandato eletivo”. O regulamento indica, no seu artigo 11º, que deverá ser aplicada a “perda de mandato” ao parlamentar que “infringir qualquer dos deveres contidos nos artigos 3 e 4 desta resolução”.