Em agosto do ano passado, 267 dos 497 municípios gaúchos ficaram por três horas sem contato com o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). O motivo foi uma paralisação dos empregados da FA Recursos Humanos, uma das 19 empresas ligadas por vínculos familiares ou de amizade que somam débitos de R$ 128,4 milhões com o fisco.
Responsáveis pelo recebimento das chamadas para o 192, telefonistas e rádio-operadores cruzaram os braços na base do Samu Estadual, em Porto Alegre, porque não recebiam salários. A mobilização não teve maiores danos – ambulâncias de cidades vizinhas foram acionadas –, mas o trabalho só foi retomado após a Secretaria Estadual de Saúde (SES) garantir o repasse direto dos vencimentos aos trabalhadores. A FA já havia sido multada e advertida anteriormente por falhas em contratos com a SES.
Esse foi o último de um histórico de problemas que levou a empresa à falência em dezembro de 2018. Meses antes, já havia deixado uma dívida de R$ 1 milhão em Caxias do Sul, ao demitir, sem pagar o que devia, 164 merendeiras da rede municipal – a sentença puniu, subsidiariamente, a prefeitura a quitar a conta.
Em 2014, um dos administradores da FA, Luciano Burkhard, ex-empregado da Job Recursos Humanos, também integrante do grupo das 19 empresas, foi flagrado em escutas telefônicas pelo Ministério Público (MP) em conversas com Ronaldo Pinheiro Prates, sócio da Job. Eles estariam combinando preços em concorrências da Subsecretaria do Parque de Exposições Assis Brasil e do Tribunal de Contas do Estado.
Burkhard se afastou da FA no final daquele ano. Em 2015, havia sido preso temporariamente por cinco dias, assim como Ronaldo e outros seis empresários e dois servidores públicos na Operação Purgato, do MP, acusados de fraude em licitações. O processo tramita na 11ª Vara Criminal do Fórum Central da Capital. Entre 2011 e 2017, a FA firmou 10 contratos com o Tribunal de Justiça do Estado (TJ) no valor de R$ 15 milhões para prestação de serviços de telefonista, limpeza e higiene em fóruns. Em um dos contratos, atrasou seis meses de salários, em dois momentos, e repasses de vale-transporte e vale-alimentação. Pelas falhas, em dezembro de 2017, o TJ proibiu a FA de celebrar contratos com entes públicos por um ano e aplicou multa de R$ 110 mil.
Em dezembro de 2018, a FA pediu autofalência, decretada pela 3ª Vara Cível de Cachoeirinha. A Justiça mandou lacrar a sede e indisponibilizou bens de sócios, além de um Etios 2015 registrado em nome da empresa. Criada em dezembro de 2010, a FA recebeu, em oito anos, ao menos R$ 123 milhões, incluindo contratos com a União, órgãos estaduais e prefeituras gaúchas. Nesse período, enfrentou 1,2 mil ações reclamatórias de empregados e deixou R$ 2,4 milhões em débitos de impostos federais.
Até equipes na Justiça do Trabalho sem receber
O descumprimento de regras trabalhistas pela empresa Job Segurança e Vigilância não poupou nem os empregados que atuavam em unidades do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), no Estado. O TRT4 é responsável por zelar pelas relações entre patrões e empregados no Rio Grande do Sul.
Em agosto de 2018, o Órgão Especial do TRT4 confirmou o cancelamento de contrato de R$ 868,5 mil mensais com a Job Segurança em razão de atrasos nos pagamentos de salários e descontos indevidos a 144 empregados da empresa.
O serviço era prestado desde setembro de 2017 e se estenderia até outubro de 2018 A rescisão gerou proibição de a Job firmar novos contratos com entes públicos por 12 meses, o que levou a empresa a recorrer, sem sucesso, ao próprio Órgão Especial. No acórdão, desembargadores ressaltam que a decisão foi “motivada por irregularidades de natureza grave praticada pela contratada”, incluindo cobrança de curso de reciclagem para vigilantes, custo que a empresa deveria assumir, durante a prestação do serviço.
Com a suspensão do contrato, os empregados foram demitidos, ficando sem receber salários e verbas rescisórias. Parte deles teve desconto indevido do aviso prévio. O caso chegou ao Ministério Público do Trabalho (MPT) e foi investigado pelo procurador Luciano Lima Leivas.
– No final de 2018, o MPT recebeu uma série de documentos, revelando que a empresa usava os recursos do contrato com o TRT4 para tentar cobrir todas as suas operações. É a história do cobertor curto, porque começou a faltar dinheiro em outras pontas. Ficou claro o inadimplemento de uma série de direitos trabalhistas – diz Leivas.
Em janeiro, o MPT entrou com ação civil pública. Na decisão em que julgou procedente o pedido, em junho, a juíza Sônia Maria Pozzer apontou histórico de falhas cometidas pela empresa. Narrou que, em 2016, o MPT havia emitido três autuações contra a Job por atraso de salários para uma centena de empregados lotados em órgãos na Capital e no Interior. Apesar disso, escreveu, as notificações “não se mostraram eficazes para demover a empresa da sua estratégia de transferir o risco da atividade empresarial para a folha”.
A magistrada lembrou que a empresa se recusou a firmar compromisso de ajustamento de conduta e que, “além reconhecer expressamente a conduta ilícita de atrasar a folha salarial, a Job busca transferir sua responsabilidade de empregador para o tomador de serviços, sem qualquer respaldo na legislação trabalhista”.
A decisão aponta que, embora seja notória a crise fiscal de diversos entes públicos, não ocorreu atraso no repasse de recursos do TRT4 à Job. E, após se omitir em comprovar regularidade do recolhimento de verbas de natureza trabalhista e previdenciária, a Job “perdeu qualquer timidez em afrontar os direitos econômicos de seus empregados”.
“Com o flagrante propósito de reduzir seus prejuízos operacionais e inspirada na política sistêmica de repassar o risco da atividade econômica para seus empregados, a empresa promoveu desconto indevido de aviso prévio aos empregados que pediram demissão”, diz a sentença.
Diferentemente de outros casos nos quais entes públicos pagaram a conta da ação trabalhista, o TRT4 havia se precavido. No contrato constava cláusula de caução de R$ 600 mil, valor que a empresa depositou antecipadamente. O dinheiro será usado para quitar os débitos trabalhistas individuais e dano moral coletivo previstos na ação.
Contrapontos
O que diz Luiz Paulo Pereira Prates, por intermédio do escritório Aury Lopes Jr Advogados
“Todos os processos encerraram-se há mais de 10 anos e absolutamente todas as penas que foram impostas pela Justiça foram cumpridas. Não tenho mais nada a declarar.”
O que diz Ronaldo Pinheiro Prates, por intermédio do escritório Aury Lopes Jr Advogados
“A crise nacional e regional afetou as empresas Job RH e Job Vigilância, na medida em que o Estado e demais órgãos da administração pública não fizeram pagamentos devidos. Nos últimos dois anos, as empresas vêm gradativamente encerrando suas atividades e pagando seus credores. As empresas possuem créditos a receber que são suficientes para rescisões trabalhistas e todos os tributos devidos. Na medida em que o Estado for liberando pagamentos atrasados, todos serão pagos. Quanto ao processo criminal relativo à Operação Purgato, estão sendo atendidas todas as determinações judiciais e nem sequer sentença existe. Será feito esclarecimento de todos os fatos, acreditando-se na absolvição pois, as acusações não são verdadeiras. Quanto à condenação de Caxias do Sul, a pena está sendo rigorosamente cumprida.”
O que diz Bruno Pinheiro Prates
A reportagem foi à empresa na Rua Luzitana, mas não o encontrou. Uma funcionária disse que não tinha autorização para informar número de telefone. Foi enviado e-mail.
O que diz Márcio Pinheiro Prates
A reportagem foi à empresa na Avenida Cristóvão Colombo, mas não o encontrou. Uma funcionária disse que ele não tem ido lá e que não tinha o número do telefone.
O que diz Fagner Fernandes Pinheiro
A reportagem esteve na empresa na Rua Pedro Canga, que estava fechada, segundo a vizinhança, há seis meses. Foi localizado um restaurante dele, mas ele não estava. Uma funcionária disse que não tinha autorização para fornecer o telefone. A reportagem deixou contato e enviou e-mail.
O que diz Luciano Burckard
Não foi localizado pela reportagem.