Dois anos e oito meses após terem sido retirados de circulação por problemas graves de infiltração de água nos rolamentos, a nova frota de trens da Trensurb foi completamente liberada pelo Consórcio FrotaPoa. Mas isso ainda não significa que os 15 trens comprados por R$ 244 milhões estão à disposição dos usuários. Um terço da frota segue fora de circulação devido à falta de peças para a execução total da manutenção preventiva. Trata-se de um procedimento padrão feito a cada 300 mil quilômetros rodados, quando são feitas revisões e trocas de óleo e válvulas.
A Trensurb explica que um lote de peças importadas necessárias para conclusão da revisão preventiva será recebido nos próximos dias e que, com isso, será feita a liberação gradativa dos trens restantes. Porém, a empresa não deu previsões exatas de quando os cinco veículos devem estar prontos para uso. Quando estiverem disponíveis para circular, além de mais conforto ao usuário — já que os novos trens têm ar-condicionado —, a Trensurb voltará a oferecer trens acoplados, com oito vagões, o que aumenta a agilidade do transporte.
Dos 10 aptos para rodar, três estão sendo poupados pela operação e usados apenas em horário de pico (das 6h55min às 7h55min e das 17h35min às 18h35min) pois já se aproximam da quilometragem prevista para manutenção preventiva.
Com a liberação dos trens na semana passada, o Consórcio FrotaPoa, formado pelas empresas Alstom e CAF, cumpriu o cronograma estabelecido pelo Ministério Público Federal (MPF) em abril deste ano que previa que a liberação do 15º trem deveria ocorrer até esta sexta-feira (28). O calendário de liberação dos veículos faz parte de um inquérito civil do MPF que, desde 2016, investiga por que a nova frota não funciona como deveria.
A entrega total ocorreu uma semana antes do prazo final, porém, o conserto ganhou fôlego apenas no segundo semestre de 2018. Nos meses de maio e julho, o Grupo de Investigação da RBS (GDI) publicou reportagens revelando detalhes dos problemas mecânicos que fizeram a frota milionária enguiçar, dificuldades na interlocução entre o consórcio e a Trensurb e o descumprimento de prazos por parte da Alstom e da CAF. O GDI também revelou que a Trensurb abriu mão de testes que poderiam ter identificado os problemas mecânicos quando os trens foram entregues, em 2014.
Ação de improbidade contra ex-direção
Quando publicadas as reportagens, o consórcio não estava cumprindo o cronograma acordado com o MPF. No final de maio, eram quatro trens em circulação, enquanto o cronograma exigia a entrega do sexto. Em julho, o calendário estabelecia que oito já deveriam estar em circulação, mas apenas seis haviam sido liberados.
À frente da investigação do MPF, o procurador Celso Três afirma que a liberação dos trens é uma boa notícia, porém, será preciso acompanhar a durabilidade desse conserto para a comprovação do bom funcionamento dos veículos.
— Em linhas gerais, o consórcio cumpriu a meta. Mas houve uma pressão, nossa e da mídia, para que o consórcio se mobilizasse para consertar o trem. Tanto que, apenas neste ano (os trens estavam fora de circulação desde abril de 2016), o consórcio trouxe equipes para ficar o tempo todo na Trensurb até que os trens fossem totalmente consertados e liberados — avalia o procurador a frente do inquérito, Celso Três.
Mesmo com a liberação dos trens, o MPF irá ajuizar ação contra a administração anterior da Trensurb — na época da compra, Humberto Kasper era o presidente, responsável pela contratação do consórcio — por improbidade administrativa. A ação, que deve ser protocolada no início do ano que vem, também vai pedir indenização aos usuários, afirma Três:
— Precisa haver a ação igual, até pelo tempo em que os trens ficaram parados. Houve um prejuízo claro aos usuários.
Novos problemas durante conserto
O que pesou para a aceleração do conserto a partir do segundo semestre foi a aplicação de um conjunto de soluções nos truques (parte inferior do trem, que dá sustentação ao veículo), incluindo vedação e nivelamento. Para corrigir o problema de nivelamento dos veículos, foi preciso anexar chapas de aço aos carros. Havia diferença de peso de 260 quilos a 300 quilos entre um lado do carro e outro.
A frota foi comprada em 2012, começou a rodar em setembro de 2014, mas nunca funcionou simultaneamente. Os problemas começam apenas sete meses após o começo do funcionamento dos trens, quando um dos veículos descarrilou em 7 de abril de 2015, e culminaram no recolhimento da frota, em abril de 2016, devido à identificação de infiltração nos rolamentos.
Durante o período de conserto, novos problemas foram identificados como vazamento em amortecedores, falta de vedação da caixa de graxa, deformação das bolsas de ar (responsáveis por garantir a estabilização do veículo), deterioração nos batentes laterais e problemas na fixação dos carros com o truque. Todos itens fundamentais para a segurança dos trens.
Entenda o caso revelado pelo GDI
- Em 2012, a Trensurb comprou 15 novos trens do Consórcio FrotaPoa, formado pelas empresas Alstom e CAF.
- Os veículos começaram a operar a partir de setembro de 2014, mas já em abril de 2015 passaram a apresentar problemas, com o descarrilamento de um deles enquanto fazia uma viagem sem passageiros.
- Um ano depois, em abril de 2016, foi identificada infiltração de água nos rolamentos, o que influencia na segurança dos veículos. Toda frota foi retirada de circulação para conserto. MPF começou a investigar o caso.
- O MPF estabelece, em abril de 2018, o terceiro cronograma de entrega dos trens. Outros dois já haviam sido descumpridos pelo consórcio.
- Em maio de 2018, apenas quatro trens estavam em funcionamento. Reportagem do GDI detalhou uma série de 20 falhas mecânicas encontradas nos trens e mostrou ainda dificuldades de interlocução entre Trensurb e o consórcio.
- Em julho, nova reportagem do GDI mostrou que a Trensurb abriu mão de testes que, na época da entrega dos trens, em 2014, poderiam ter identificado problemas mecânicos existentes na frota.
- Uma semana antes do prazo final, em 28 de dezembro, o consórcio entrega o 15º trem para circulação. Dos 15 trens, porém, cinco não estão funcionando pois aguardam a chegada de peças para conclusão da manutenção preventiva.