Alvo de operação do Ministério Público Estadual (MP) deflagrada na manhã desta quinta-feira (6) em razão de suspeitas em contrato bilionário com a prefeitura de Canoas, o Grupo de Apoio à Medicina Preventiva e à Saúde Pública (Gamp) acumula longo histórico de problemas de atendimento e gestão dos serviços de saúde do município.
O atraso no pagamento de salário de funcionários resultou em greve de profissionais de enfermagem, técnicos, farmacêuticos e radiologistas, que paralisam os atendimentos desde quarta-feira (5). A operação do MP prendeu quatro pessoas ligadas à entidade, que tem contrato para receber, em cinco anos, R$ 1 bilhão da prefeitura.
O grupo administra os hospitais Universitário (HU), de Pronto Socorro de Canoas (HPSC), duas unidades de pronto atendimento e quatro de atendimento psicossocial. Confira abaixo a linha do tempo das precariedades na terceirização do serviços de saúde na cidade:
Dezembro de 2016
- Logo após assumir a gestão de dois hospitais e seis postos de saúde em Canoas, o Gamp atrasa salários de funcionários e de médicos. As vésperas do Natal, trabalhadores paralisam atividades por 12 horas e salários são quitados.
Janeiro de 2017
- Médicos do Hospital de Pronto Socorro de Canoas (HPSC) reclamam da falta de itens básicos como compressas e esparadrapos. No mês seguinte, anestesistas do Hospital Universitário (HU) cruzam os braços por causa de novo atraso de salários. Os débitos estão relacionados a pendência de recursos por parte da prefeitura de Canoas, que repassa a verba e anuncia auditoria no contrato com o Gamp referente ao HU.
Março de 2017
- O Sindicato Médico do Rio Grande do Sul (Simers) entra com reclamatória trabalhista contra o Gamp e a prefeitura de Canoas porque não estariam sendo depositados o FGTS dos médicos. O sindicato ainda encaminha pedido de providências ao Ministério Público (MP).
- Visita de representante do sindicato ao HU constata falta de médicos, de remédios e de material de higiene.
Abril de 2017
- Simers relata precariedade no HPSC com escassez de remédios de uso comum como Paracetamol e Dipirona, falta de equipamentos para tratar crianças com crise de asma, ausência de bobina de papel para exames de eletrocardiograma e para impressão de exames e diagnósticos. Faltam luvas cirúrgicas, avental e jaleco para funcionários, sacos de lixo e até sacos mortuários. Corpos são retirados das gavetas do necrotério expostos, sem cobertura nem de lençol.
- Médicos relatam crise no centro obstétrico do HU – faltam ocitocina, indispensável para manejo de trabalho de parto e de hemorragia nos pós-parto, e fios para partos cesariana. Também reclamam da falta de sonares para auscultar batimentos cardio-fetais (procedimento fundamental para acompanhamento de gestação de alto risco).
- Familiares de pacientes estariam comprando remédios para tratamento dos doentes em farmácia perto do HPSC. Sem medicamentos via oral, o tratamento é com aplicação na veia ou músculo, provocando choro e estresse em crianças. A falta clorexidina aquosa para limpeza de feridas abertas leva ao uso de álcool, causando dor aos pacientes.
Maio de 2017
- Cremers constata precariedade em vistoria ao HU e ao HPSC, e engrossa pedido de providências ao MP, autor de ação civil pública.
Agosto de 2017
- Acolhendo pedido de liminar do MP, a Justiça estabelece prazo de 30 dias para o Gamp e a prefeitura de Canoas regularizarem os estoques de medicamentos e insumos nos setores que atendem crianças, adolescentes e gestantes no HU e no HPSC.
Outubro de 2017
- O Gamp, em parceria com outra empresa, abre em Canoas uma central de distribuição de medicamentos e insumos para o HU e para o HPSC. A iniciativa é exaltada pelo grupo como "projeto inovador" que resolveria problemas, dando agilidade e eficiência ao serviço.
- Vistoria do Simers na UPA Caçapava e no HPSC constata que tomógrafos estão estragados – o da UPA, parado havia três semanas. E o aparelho de Raio X havia sido emprestado para outra UPA, que anteriormente ficara três meses sem o serviço. Falta papel higiênico, papel toalha, roupa de banho para pacientes, medicamentos de uso em larga escala como Dramin, Omeprazol e Plasil infantil. De três salas para anestesias, uma não pode ser usada por falta de material.
Novembro de 2017
- Relato de um médico do HU revela preocupação com a inexistência de antidepressivos, anticoagulante, antimicrobianos, marca-passo de emergência e materiais para coleta de sangue, aventais descartáveis de isolamento, gaze e seringa. A escassez obriga pedidos de empréstimos a outro hospital.
Novembro de 2018
- Médicos relatam ao Simers falta de medicamentos como Tylex, soro glico-físio, seringas e fio para sutura no HU. Haveria escassez de alimentos, de roupas e de equipamento de proteção individual (avental plástico e mangas plásticas). Funcionário do Gamp anunciam greve.
Contraponto
O Gamp divulgou nota em que informa "que irá se manifestar formalmente assim que os advogados tiverem acesso a todo o teor da investigação do Ministério Público Estadual". No texto, o grupo afirma que "é vítima de um movimento de perseguição política e de empresas contrariadas com o sistema e tem o maior interesse em esclarecer os fatos".