A semana passada começou com uma das maiores ofensivas já realizadas por Polícia Civil e Brigada Militar contra a interiorização de facções metropolitanas gaúchas. Foram presas 45 pessoas no noroeste do Estado, ligadas a Os Manos. Parte dos presos está envolvida em homicídios, e quase todos praticam tráfico.
A investida dos policiais comprova o que o Grupo de Investigação da RBS (GDI) constatou, num giro pelo interior gaúcho: o crime organizado com matriz metropolitana cada vez mais exibe tentáculos na fronteira com o Uruguai e Argentina:
O mais sangrento assalto ocorrido na fronteira com o Uruguai em 2017 foi em 16 de janeiro em Rivera, gêmea com Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul. Quatro criminosos armados com metralhadoras e pistolas tentaram roubar a casa de câmbio Fênix, na Avenida 33, que divide os dois países.
Um policial que fazia vigilância bancária, Sérgio Umpierrez, foi morto na troca de tiros com os ladrões, que também deixou morto um bandido. Outro policial foi ferido.
A cruel ironia do caso é que Umpierrez estava afastado da polícia por contrabando de armas. Foi alvejado por tiros de uma metralhadora contrabandeada.
Quatro assaltantes foram reconhecidos e presos pela Polícia Civil brasileira, nos meses subsequentes. Todos eram de Porto Alegre e ligados à facção Bala na Cara, considerada a mais violenta do RS. O que integrantes dessa facção faziam tão longe da capital gaúcha?
Na realidade, as facções gaúchas atuam na fronteira, embora sem domínio territorial. No caso do Uruguai, negociam a compra de armas e, eventualmente, cometem assaltos. O que fazem com frequência é traficar droga para uruguaios, em troca de armamento. Quem confirma é Héctor Alvez, policial chefe do setor de delitos complexos da Policia Nacional em Rivera.
— As facções gaúchas não estão enraizadas no Uruguai, mas integrantes dessas quadrilhas aparecem aqui, para cometer assaltos e comprar armamento. Adquirem armas inclusive de policiais ou de comerciantes — admitiu o agente uruguaio, em entrevista ao GDI.
A morte do policial uruguaio no assalto à casa de câmbio resultou numa caçada aos ladrões, feita em conjunto pelas polícias uruguaia e brasileira. Por meio de vídeos, os policiais conseguiram reconhecimento facial e ordens de prisão contra quatro suspeitos do violento roubo: Fagner Ulguin, Jedial Moraes Lopes, Romualdo Moraes Lopes e Fernando Lawrenz Kesseler, todos do bairro Rubem Berta, na zona norte de Porto Alegre.
O quarteto é suspeito de envolvimento em outros roubos no Uruguai _ entre eles, um assalto no aeroporto de Rivera, em 2015. Todos foram presos pela Polícia Civil gaúcha em três diferentes operações, em 2017:
— Com a regularização do consumo de maconha no Uruguai, existe troca. O mercado de lá teve de se abastecer com fornecedores brasileiros. Sai do Brasil maconha e vai para território uruguaio. O pagamento uruguaio, como regra, é dinheiro, arma ou os dois. Mais munição do que arma, na maioria das vezes — relata Ana Tarouco, delegada regional da Polícia Civil em Santana do Livramento.
Alvez admite que o armamento comprado no Uruguai é usado pelas facções gaúchas para matar seus desafetos e também para cometer roubos em Porto Alegre. Isso foi comprovado pelas polícias Federal e Civil.
— Ano passado tivemos várias apreensões, de 300, 500 quilos de maconha. O grande atravessador nessas trocas de armas por droga é o uruguaio Cachorrinho Vargas. A droga seria comprada no Paraguai, revendida na região metropolitana de Porto Alegre e, dali, enviada à fronteira, em troca por armas — explica a delegada.