O suplemento alimentar comercializado pela Quality Medical Line como fosfoetanolamina estaria sendo produzido com matéria-prima de baixa qualidade importada da China para ser processado rapidamente e com menor custo. É o que afirmou ao Grupo de Investigação (GDI) da RBS Humberto Silva De Lucca, ex-sócio da empresa, um dos 10 brasileiros que se uniram em julho de 2016 para criar a Quality, com sede em Miami (EUA).
Natural de Santa Maria, De Lucca, 41 anos, diz que somente as primeiras 10 mil unidades do suplemento, vendidas em abril do ano passado, quando ainda estava na empresa, continham fosfoetanolamina, produzida a partir do Laboratório Federico Diaz, em Rivera, no Uruguai.
Naquela época, ele firmou parceria com o Instituto Pró Vida, de Manaus, que auxilia 7 mil pessoas com câncer no Amazonas. A Quality doaria cápsulas a pacientes carentes atendidos pela entidade, mas De Lucca deixou a empresa logo em seguida e o acordo não foi adiante.
A ONG chegou a colocar na sua página na internet um link do site da Quality para facilitar compras — excluído em setembro, segundo a presidente da Pró Vida, Karola Caldas, após o recebimento de mais de uma centena de reclamações via e-mail e redes sociais. Uma das queixas partiu da autônoma Ana Maria Ferreira da Silva, da cidade de Codajás (AM). Ela dizia ter comprado a substância para a mãe, Teresa Ferreira da Silva, 77 anos, e reclamava que o composto teria deixado de fazer efeito — a idosa morreu em julho de 2017.
Todos os estudos com a fosfoetanolamina mostraram resultados frustrantes. Não é recomendada para nenhum tratamento em nenhum lugar do mundo.
STEPHEN DORAL STEFANI
oncologista do Instituto do Câncer Mãe de Deus, de Porto Alegre
— Todos os estudos com a fosfoetanolamina mostraram resultados frustrantes. Não é recomendada para nenhum tratamento em nenhum lugar do mundo — alerta o oncologista Stephen Doral Stefani, médico do Instituto do Câncer Mãe de Deus, de Porto Alegre.
De Lucca diz que a produção inicial se esgotou em 48 horas, e o sucesso de vendas teria pego a empresa desprevenida, sem material e prazo suficientes para atender aos pedidos. Por isso, afirma o ex-sócio, dirigentes teriam optado por comprar componentes da China, acondicionando nas cápsulas matéria-prima sem a sintetização adequada, ou seja, sem fosfoetanolamina. Exames realizados no Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a pedido do Grupo de Investigação da RBS, constataram que cápsulas do lote nº 1701053 do suplemento não contêm fosfoetanolamina.
— Optaram por fazer essa versão "pirata" para comercializar de forma mais barata — diz De Lucca.
A redução nos custos de produção chegaria, diz o ex-sócio, a 75%, incluindo impostos. O preço do frasco, que era de US$ 150, baixou para US$ 99.
De Lucca cumpre pena de cinco anos e cinco meses de detenção por porte ilegal de arma, receptação e uso de documento falso, praticados em 2002, em Balneário Camboriú (SC). O empresário, que está em prisão domiciliar, garante não ser o autor dos crimes. Considera-se vítima de complô para afastá-lo da Quality após ter se rebelado contra a produção do suplemento com compostos chineses.