Resultados preocupantes em amostras de tomate, mamão e morango coletadas para o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos (Para) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) poderiam ter sido encarados como mera estatística em Pernambuco. Os dados obtidos em 2002, no entanto, motivaram uma nova postura no combate ao uso irregular de agroquímicos naquele Estado.
Por meio de um termo de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público (MP), os supermercados começaram a fazer mensalmente testes laboratoriais de hortifrutigranjeiros para verificar o controle de qualidade. O acordo prevê o envolvimento de grandes redes e que cada uma banque as avaliações.
– Entendemos que os supermercados são corresponsáveis pelo que colocam à venda – explica o diretor da Agência Pernambucana de Vigilância Sanitária (Apevisa), Jaime Brito de Azevedo.
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Conheça o Grupo de Investigação (GDI)
O pacto começou com oito supermercados. Hoje, abrange quatro grandes redes e a Ceasa pernambucana, por onde passam 90% dos hortifrútis consumidos por lá. Nos supermercados, são coletadas 30 amostras por ano; na Ceasa, 20 por mês.
No Rio Grande do Sul, um TAC firmando em 2012 entre MP, Ceasa, órgãos de vigilância sanitária do Estado e do município de Porto Alegre previa até 20 análises mensais, mas, desde a assinatura, nunca atingiu a meta e o objetivo de reduzir o uso inadequado de agrotóxicos nos alimentos vendidos na maior central de distribuição gaúcha. Testes realizados para o Grupo de Investigação da RBS (GDI) comprovaram contaminação em quase metade das 20 amostras colhidas na Ceasa em setembro. A reportagem mostrou que as punições previstas no acordo não são aplicadas.
Segundo o diretor técnico e operacional da Ceasa de Pernambuco, Paulo de Tarso, quando o TAC foi estabelecido, 70% das amostras tinham agrotóxicos acima do permitido ou proibidos para a cultura. Hoje, o número caiu para 20%. Com o rigor, ele afirma que os produtores e as cooperativas também começaram a rever suas práticas:
– São 80% dos produtos aptos. É um trabalho contínuo e que, se você relaxar ou abrir mão, tende a voltar ao que era.
Cada veículo que chega à Ceasa paga taxa de R$ 1 para ingressar no local, e o dinheiro é usado para bancar os exames nos alimentos.
– Se for encontrado algum índice insatisfatório, o produtor é proibido de entrar na Ceasa. Se a Ceasa não cumprir a regra, paga multa de R$ 1 mil por dia – acrescenta Azevedo.
Promotor de Justiça do Consumidor de Recife, Maviael de Souza Silva classifica a Ceasa como a principal parceira do TAC. Se a coleta é bem feita lá, é possível proteger grande parte da população:
– Alguns produtos podem ser alvo de constante investigação. Um tempo atrás foi o pepino e, depois, o pimentão, que vinha com níveis escandalosos de agrotóxicos – exemplifica Maviael.
Para voltar a comercializar um produto banido, é o próprio produtor quem paga a análise laboratorial. Ele precisa comprovar que os itens não contêm mais substâncias proibidas ou acima do permitido a determinada cultura.
– É um programa de alto custo, mas bancado pelos empresários, e que a Ceasa arrecada para pagar. A penalidade de retirar o produto do mercado é fatal, tem repercussão direta porque o produtor para de vender. A multa é pesada se a Ceasa ou o supermercado descumprirem – justifica Azevedo.
O empenho para banir o excesso de agrotóxicos dos alimentos não evita que todos os meses sejam encontrados produtos com as substâncias em demasia ou itens proibidos para a cultura. Por isso, segundo o diretor da Apesiva, o trabalho precisa ser ininterrupto:
– É uma briga constante, que nunca acaba. Todo mês tem produto que sai do mercado. E são produtos do Brasil todo. Fazemos a coleta, é provado, sai, volta, coletamos mais uma vez, coletamos de novo. É assim, e acho que isso nunca deve parar. O governo tem pouco custo e um resultado interessante.
Controle biológico na lavoura diminui agroquímicos
Maior consumidor mundial de agrotóxicos, o Brasil está longe de prescindir do uso em escala de produtos destinados ao combate de pragas na lavoura. No médio prazo, pesquisadores avaliam que será possível reduzir a aplicação.
Uma das formas de diminuir o uso de agroquímicos é o controle biológico de lagartas a partir da multiplicação de vespas. A fêmea deste inseto é jogada aos milhares nas lavouras e, imediatamente, começa a procriar, depositando ovos dentro dos casulos das lagartas. No final do processo, o que geraria um predador para atacar lavouras acaba dando vida a uma nova vespa. Isso cria processo de multiplicação dos voadores e a quase extinção dos devoradores de plantações. O mais comum é combinar a ferramenta biológica com o agrotóxico, que acaba tendo a sua necessidade de aplicação reduzida. Este ciclo ajuda a reduzir os níveis de resíduos de químicos nos alimentos.
– Na maioria dos químicos, você vai fazer o controle de uma lagarta que já causou algum dano. A vantagem da vespa é que ela parasita um ovo, que deixa de ser uma praga e vira um agente de controle – explica Diogo Rodrigues Carvalho, CEO da Bug Agentes Biológicos, de Piracicaba, no interior de São Paulo, empresa que desenvolveu controle de pragas a partir da multiplicação de vespas.
A modalidade não envolve nenhum processo de modificação genética. Cada safra demanda a liberação de nova carga de vespas, que são enviadas aos produtores rurais em embalagens fechadas. Até agora, a equipe técnica da empresa está tratando, em média, 850 mil hectares por ano, com destaque para a atuação em plantações de cana de açúcar, soja, tomate, melão, abacate, abacaxi e pimentão.
– Não há nada que proteja uma lavoura 100%. Mas tenho segurança para garantir que a mesma eficiência do químico, hoje, nós temos com o biológico. No caso da cana-de-açúcar, já somos mais eficientes – garante Carvalho.
Embora de forma incipiente, multinacionais de agroquímicos também investem em alternativas biológicas, seja abrindo empresas do ramo ou comprando startups. A Bayer e a Basf são dois exemplos. A diversificação do negócio de combate a pragas promovida pelas gigantes do setor não é acaso.
– As grandes empresas têm a avaliação de que, no médio prazo, o uso do químico deve desaparecer ou diminuir muito. Isso porque teremos tecnologias mais adequadas de controle de pragas, tanto as biológicas quanto os produtos geneticamente modificados, que são mais resistentes a insetos – diz Flávio Zambrone, professor aposentado da Unicamp e presidente do Instituto Brasileiro de Toxicologia (IBTOX), indicado para se manifestar em nome da Associação Nacional de Defesa Vegetal.