Estiagens prolongadas, quebras de safra, chuva em excesso, perdas na terra. O reflexo duro das alterações climáticas na agropecuária faz a atividade buscar novas formas de produzir, em dinamismo que cada vez mais inclui a inovação e a tecnologia.
Estudo mais recente da McKinsey & Company sobre inovação no agronegócio, o Global Farmer Insights mostra que o uso de tecnologias na agricultura brasileira cresceu mais de 10 pontos nos últimos dois anos, confirmando o país em posição de vanguarda como segundo colocado entre os países pesquisados. A mesma fonte, em edição anterior, já havia descrito o produtor brasileiro como “ávido por inovação”.
— Estamos falando de um segmento que se transformou muito nos últimos anos. Há bem pouco tempo nem grandes exportadores éramos e isso faz com que o agro ganhe uma carga de responsabilidade. Isso robustece um sistema produtivo que traga resultados — avalia Eduardo Condorelli, superintendente do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar-RS), sobre a evolução tecnológica no setor.
As inovações estão em todas as camadas do campo, da gestão das propriedades à alta mecanização das tarefas nas lavouras. Em todas, uma linha em comum: produzir mais com menos, preservar os recursos naturais e manter as produções sustentáveis.
Guiada por inteligência artificial e com motor 100% elétrico, a tecnologia de um robô pulverizador tem sido uma das inovações responsáveis por reduzir em mais de 90% as aplicações de produtos químicos nas plantações onde é utilizado.
O equipamento desenvolvido pela Solinftec lê as plantas através de câmeras e despeja o defensivo somente nas áreas necessárias. A aplicação controlada evita desperdício de produto e até casos de deriva, que é quando ocorre espalhamento de químicos pelo vento para áreas não aplicáveis.
Bruno Pavão, diretor de robótica da Solinftec, cita ainda outro ganho permitido pela tecnologia, que é a redução do impacto pelo peso da máquina no solo. O robô chega a ser até 20 vezes mais leve que um pulverizador tradicional. Em locais de terreno já prejudicado, como no Rio Grande do Sul, onde áreas produtivas inteiras passam por reconstrução após a enchente, a solução permitiria trabalhar a terra sem sobrecarga ou danos na sua microbiologia, por exemplo.
— Eu falo que o robô é a primeira ferramenta de manejo que tem condições de vencer e ajudar nas adaptações climáticas. Isso é muito difícil de se conseguir. Mas quando você tem um robô pré-programado, que segue uma diretriz, isso se torna muito mais fácil — diz Pavão.
O equipamento está disponível comercialmente há dois anos no mercado e levou cerca de quatro para ser desenvolvido. Além de operar em rotas pré-programadas, tem comunicação em tempo real com estações meteorológicas para traçar o momento ideal de cada aplicação. Ao limitar a quantidade de produto a ser aplicado, o robô reduz também o uso de água utilizada, preservando o recurso hídrico.
O robô é a primeira ferramenta de manejo que tem condições de vencer e ajudar nas adaptações climáticas.
BRUNO PAVÃO
Diretor de robótica da Solinftec
— Quando começamos a usar a inteligência artificial para separar o que realmente é alvo da aplicação e o que é cultura, você vai para a redução ativa. Só que por trás disso tudo, se eu vou usar 90% a menos de produto químico, o uso da água também acaba reduzindo na casa de 80%. Então, o primeiro manejo que vemos, olhando para a sustentabilidade, já é o recurso hídrico — comenta o diretor.
A robustez em produção nas últimas décadas e a participação cada vez mais forte do agronegócio na economia levam a uma preocupação cada vez maior com a sustentabilidade. A demanda é combinada com novas tecnologias que surgem, lembra o superintendente do Senar-RS. As agtechs, startups focadas no agro, lideram o processo de desenvolvimento das novas ideias.
— Para fazer tudo isso no século 21, não há como ignorar a tecnologia, em especial as desenvolvidas para otimizar recursos naturais e não naturais e os sistemas de gestão, uma tendência no meio rural — diz Condorelli.
Outro recorte do estudo da McKinsey & Company mostra que o número de produtores que utilizam bioestimulantes, biofertilizantes e biocontroles supera 60% no Brasil. O percentual é mais que o dobro da Europa e dos Estados Unidos.
A pesquisa também indica que a agricultura regenerativa no país — que inclui técnicas de plantio direto, plantação de cobertura e rotação de culturas — supera em 24 pontos percentuais a média global. São as tecnologias e a ciência a serviço de uma nova maneira de produzir, alinhada a compromissos de preservação e sustentabilidade.
Sustentabilidade na moda
Pioneira entre as varejistas de moda no Brasil, a Lojas Renner, em parceria com a startup Farfarm e a Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), desenvolve um projeto para fomentar a produção de algodão em sistema agroflorestal no Cerrado. O objetivo é fazer com que os tecidos que chegam em larga escala aos fornecedores na indústria e ao consumidor final tenham origens sustentáveis.
O algodão é plantado em associação a outros cultivos como pequi, mamão, banana, caju, goiaba, eucalipto, entre outros. A combinação de culturas, em estratégia oposta ao monocultivo, tem potencial de enriquecer o solo e recuperar áreas degradadas.
Gerente-geral de Sustentabilidade da Lojas Renner, Eduardo Ferlauto diz que as ações estão alinhadas ao compromisso de construir a moda do futuro utilizando cada vez mais a inovação a serviço da sustentabilidade. E adianta que a meta é garantir, até 2030, que 100% das peças de vestuário da rede sejam feitas com matérias-primas sustentáveis.
— Hoje, oito em cada 10 peças de vestuário da marca Renner possuem atributos de sustentabilidade, o que significa que elas são confeccionadas com matérias-primas como algodão e viscose certificados e fios reciclados, além de processos como a redução no uso de água e componentes químicos — diz o gerente geral.
Através da parceria, a empresa consegue conectar diferentes elos da cadeia têxtil, de produtores rurais a empresas de tecelagem, fiação e confecção, em estratégias que incentivem o cultivo de matérias-primas menos impactantes ao ambiente.
O projeto também tem impactos no âmbito social. A iniciativa promove a capacitação de cerca de 200 pessoas, sendo 80 agricultores familiares, por meio da implementação de uma fazenda experimental na UFMT. Conforme a varejista, um dos objetivos é definir o potencial de expansão do modelo a partir de 2024.