A Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Sul (OAB/RS) vai inserir o nome do desembargador Luiz Alberto Vargas, do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4), no Cadastro Nacional de Violadores de Prerrogativas.
Como presidente de uma sessão virtual de julgamento da 8ª Turma do TRT-4, Vargas indeferiu pedidos de prioridade para sustentação oral feitos pela advogada Marianne Bernardi, grávida de oito meses e que informou não estar passando bem. O direito à preferência é previsto em duas leis federais.
O cadastro nacional é uma lista composta de nomes de agentes públicos que desrespeitarem as prerrogativas de advogados e advogadas. Estar inscrito na lista impede que a pessoa considerada violadora, depois de aposentada, exerça a advocacia por cinco anos. Ou seja: ela não poderá obter inscrição da OAB por ser considerada inidônea moral.
— Inaceitável desrespeito à lei, falta de bom senso, falta de educação. Nós vamos reagir com toda nossa força institucional em relação a essa grave violação de prerrogativa — afirmou o presidente da OAB/RS, Leonardo Lamachia, sobre a atitude do desembargador.
Assim que tomou conhecimento do caso, Lamachia deferiu, de ofício, desagravo público contra o desembargador. O desagravo foi homologado pelo Conselho Seccional da OAB/RS na sexta-feira (28). O ato vai ocorrer na próxima quinta-feira (4), na frente do prédio do TRT-4. Depois disso, o passo seguinte é a inscrição do nome de Vargas no cadastro.
Depois do fato, o desembargador pediu afastamento da função por 35 dias com base em licença médica. Ele disse para Zero Hora que ficou muito "chateado" com a situação e que o médico sugeriu que ele se afastasse para descansar.
Na sessão, realizada na quinta-feira (27), a advogada informou não estar se sentindo bem e pediu que sua vez de fazer a sustentação oral fosse antecipada. Ainda assim, o desembargador negou a prioridade, alegando que a medida não se aplicava para sessões virtuais. Vargas também disse não saber se a advogada estava mesmo grávida. Neste momento, Marianne se levantou e expôs a barriga de oito meses diante da câmera.
Outros advogados, o representante do Ministério Público do Trabalho e até desembargadores se manifestaram em favor de Marianne, pedindo que Vargas reconsiderasse. Mas ele refutou todas as manifestações, se mostrando impaciente e dizendo que se o assunto continuasse, ia rever a possibilidade de sustentações orais ao vivo em sessão virtual.
A advogada teve que esperar por cerca de sete horas para se manifestar no processo. O caso repercutiu nas redes sociais a partir de manifestação de Marianne, que divulgou trechos da gravação da sessão, mostrando o teor dos pedidos e as respostas do desembargador.
"A recusa do referido magistrado em conceder a preferência à advogada gestante não apenas viola o texto expresso das Leis 13.363/2016 e 8.906/94, mas também fere princípios básicos de igualdade, dignidade humana, proteção à maternidade e noções básicas de educação e respeito", diz trecho de nota emitida pela OAB/RS.
A OAB/RS vai ainda fazer representação contra o desembargador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O TRT-4 informou que " decidirá na segunda-feira (1º) se instaura um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar o caso envolvendo o desembargador Luiz Alberto de Vargas, ou se aguarda a instauração do PAD pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A decisão só não foi tomada na sessão do Pleno do Tribunal ocorrida na sexta-feira (28), porque os desembargadores estavam votando a promoção por merecimento de uma juíza. No entanto, o tema foi amplamente discutido no início dos trabalhos pelos magistrados".
A advogada recebeu diversas manifestações de solidariedade e apoio de colegas e entidades, como a Associação Gaúcha da Advocacia Trabalhista, a Associação dos Advogados Trabalhistas de Empresas no Rio Grande do Sul e a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho. O Ministério Público do Trabalho (MPT) também emitiu nota sobre o caso:
_ Em tempos de reconhecimento e de ampliação dos direitos das mulheres, em especial das gestantes e lactantes, o Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul se solidariza com todas as gestantes e lactantes que tiveram seus direitos desrespeitados no âmbito das relações de trabalho, considerando os fatos ocorridos na data de ontem em sessão de julgamento do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Durante a sessão, o Procurador Regional do Trabalho Philippe Gomes Jardim se manifestou oralmente por três oportunidades em defesa dos direitos da advogada gestante para que fosse garantido seu direito de preferência, o que acabou não sendo atendido _ diz trecho do documento do MPT.
A advogada Marianne falou com Zero Hora neste domingo.
— Meu sentimento é de desgosto, repúdia e inconformidade pelo ocorrido. Me senti humilhada e constrangida ao ter que mostrar a barriga perante todos para comprovar o estado gravídico, e quando ele sugeriu que às 13h, no intervalo que ele faz, eu achasse outro advogado, violando minhas prerrogativas como advogada gestante do pleno exercício da profissão. Em pleno 2024, o direito das mulheres no ambiente de trabalho sendo tolhido por um desembargador —disse Marianne a Zero Hora.
A advogada contou que estava exausta no momento de se manifestar:
— Por aguardar sete horas online senti fome, suei frio, tive tremedeira, e depois abalo emocional. Fui ao médico no outro dia e ele disse que a bolsa poderia ter estourado. Estou fazendo sustentação oral há oito meses e nunca pedi pelo meu direito de preferência. Pedi na quinta-feira apenas porque estava passando mal.
O Cadastro Nacional de Violadores de Prerrogativas
O Cadastro foi criado em 2018 pelo então presidente do Conselho Federal da OAB, Claudio Lamachia, advogado gaúcho que presidiu a OAB/RS.
No ano passado, por iniciativa da Comissão Nacional de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia, presidida pelo também advogado gaúcho Ricardo Breier, o cadastro foi regulamentado. Breier também comandou a seccional gaúcha da OAB.
Segundo Breier, o cadastro representa um grande avanço contra as autoridades públicas que impedirem arbitrariamente o exercício da advocacia. Esses não poderão advogar no futuro por serem declarados inidôneos moralmente.
Confira a íntegra da nota do TRT-4
"O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região manifesta que o ato do presidente da 8ª Turma, ocorrido em sessão de julgamento em 27/06/2024, no qual indeferiu o pedido de preferência da advogada gestante, não representa o posicionamento institucional do Tribunal.
A Administração do TRT-4 destaca que o Tribunal é referência nacional em políticas de gênero, pioneiro na implementação de uma Política de Equidade e de ações afirmativas voltadas à inclusão das mulheres e à promoção da igualdade.
Reafirma seu compromisso com o combate à discriminação e prestígio aos direitos das mulheres e salienta que a preferência das gestantes na ordem das sustentações orais é direito legalmente previsto (art. 7-A, III, da Lei 8.906/1994), devendo ser sempre respeitado, além de observado enquanto política judiciária com perspectiva de gênero.
Esta é a política de gênero institucional do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: observância a todos os direitos previstos em lei voltados à advogada."
Confira a íntegra da nota da OAB/RS
"A Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio Grande do Sul, vem a público manifestar seu mais profundo repúdio à conduta do desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, Luiz Alberto de Vargas, que negou preferência à sustentação oral de uma advogada gestante durante sessão de julgamento telepresencial da 8ª Turma do TRT4 realizada em 27/06.
O referido magistrado violou, deliberada e reiteradamente, os direitos legalmente assegurados às advogadas, mesmo com intervenção da Comissão de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB/RS, de outros integrantes da turma e do MP pela preferência, indeferindo, inclusive, pedidos de advogados presentes na sessão que se propuseram a dar tal prioridade à colega gestante.
Cabe ressaltar que a Lei n.º 13.363/2016 alterou o Estatuto da Advocacia (Lei n.º 8.906/94), incluindo o inciso III do artigo 7º, sendo clara a garantia às advogadas gestantes o direito de preferência na ordem das sustentações orais em tribunais, bem como na ordem das audiências, permitindo-lhes que sejam ouvidas antes dos demais inscritos, bastando, para tanto, comprovar sua condição gestacional.
A razão desta prerrogativa é incontestável: proteger a saúde e garantir condições adequadas de trabalho às advogadas em período de gestão, respeitando sua dignidade e o direito ao exercício pleno da profissão.
É inaceitável que, em pleno ano de 2024, os direitos fundamentais das mulheres no ambiente de trabalho e as prerrogativas das advogadas sejam violadas de tal maneira. A recusa do referido magistrado em conceder a preferência à advogada gestante não apenas viola o texto expresso das Leis 13.363/2016 e 8.906/94, mas também fere princípios básicos de igualdade, dignidade humana, proteção à maternidade e noções básicas de educação e respeito.
A OAB/RS, além da presente nota pública, se solidariza com a advogada, bem como destaca que o presidente Leonardo Lamachia já entrou em contato com a colega e com o presidente do TRT4, desembargador Ricardo Martins Costa, para acompanhamento do caso, informando que irá representar contra o desembargador Luiz Alberto de Vargas junto à Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho do TST e junto ao CNJ."