Após decretar estado de calamidade pública na noite desta quarta-feira (8), a prefeitura de Imbé voltou atrás e revogou o decreto nesta quinta (9). A mudança ocorreu após a repercussão negativa do caso. Com centenas de cidades alagadas e com a infraestrutura básica afetada no Rio Grande do Sul, milhares de pessoas se deslocaram para o Litoral Norte – região não atingida pelas enchentes – ao longo dos últimos dias.
O prefeito de Imbé, Luis Henrique Vedovato (MDB), emitiu o decreto com a justificativa de garantir serviços básicos, tentando acessar recursos que seriam necessários para acolher as pessoas. Em entrevista à Rádio Gaúcha, o chefe do Executivo municipal afirmou que os atendimentos de saúde, principalmente, já estavam sendo afetados. Segundo o município, cerca de 5 mil pessoas se deslocaram para a cidade nos últimos dias. Não há, no entanto, nenhum abrigo público montado até o momento. Nesta quinta-feira, o Ministério Público do RS anunciou que vai investigar casos de decretos de calamidade pública emitidos por municípios que não foram atingidos pelas enchentes.
O novo decreto, que revoga o antigo, informa que “sobreveio informação técnica da Defesa Civil de que o instrumento legal para garantia do auxílio assistencial no caso do nosso município não seria a decretação de calamidade, bem como que estaria em curso a revisão de decretos de outras cidades não afetadas diretamente, e por mais que a situação de anormalidade e da necessidade de auxílio do governo do Estado e do governo federal se mantenha, entendemos que se faz necessária a revogação do decreto editado.”
Durante a manhã, a reportagem de GZH circulou pelo município para conferir a situação da cidade e ouvir moradores. Ainda que o movimento seja visivelmente maior do que o habitual na cidade nesta época, havia poucas pessoas caminhando pelas ruas.
Nos mercados, a situação é tranquila. Há falta pontual de água, mas ainda é possível encontrar o produto. No mercado Marisul, do carregamento que chegou nesta quarta, sobrou apenas água com gás. No Superbom e no Asun, o produto ainda está disponível – com limitação, neste último, de duas unidades por cliente. Não há previsão de novas entregas. Nos postos de combustíveis, não há desabastecimento. Todos os combustíveis estão disponíveis no posto Shell e no Posto Jam da Avenida Paraguassú, e novas remessas continuam chegando.
A maior parte das pessoas que vieram para o litoral tem residência e está em busca de infraestrutura, devido à falta de água ou luz. Outras procuram abrigo na casa de parentes ou amigos. A família da confeiteira Carolina Holz, 38 anos, veio do bairro Humaitá, em Porto Alegre, após perder tudo na enchente, incluindo o carro utilizado pelo marido para trabalhar. A casa ainda está inundada, com cerca de 1,5 metro de água. O grupo familiar não conseguiu passagem para São Lourenço do Sul, onde residem parentes. A vizinha, então, também desabrigada, trouxe a família para sua casa de veraneio em Imbé.
— Perdi tudo. Eu trabalho com bolos, doces e salgados, e eu recém reformei tudo, em janeiro. Está tudo lá. Uma produção de mais de 2 mil salgados. Ficou tudo nos freezers. Essa semana ainda comprei mais de R$ 1 mil em materiais, queijo, essas coisas, tinha uma encomenda grande para sexta passada, para domingo. Não consegui tirar nada, ficou tudo — lamentou.
As famílias fizeram uma compra no mercado para garantir mantimentos. À tarde, os Holz, que têm apenas uma muda de roupa para enfrentar o frio que chegou ao Estado, iriam buscar auxílio no CTG da cidade, que está recebendo desabrigados e doações. O objetivo é garantir peças de roupa e uma cesta básica. Além disso, as duas filhas do casal estão gripadas, e a família vai recorrer à ajuda de médicos que estão oferecendo serviços online gratuitamente para a população atingida pela catástrofe.
Com a produção parada, há apenas o salário de Claiton Holz, 43, técnico em telecomunicações, para manter os dois adultos e as duas crianças e quitar a dívida da reforma. Para Carolina, os outros municípios devem ajudar de alguma maneira
— Imagina se a gente não estivesse aqui agora. O que seria de Porto Alegre? Eu acho que eles deveriam começar a ver por esse lado. Nós estamos bem aqui, estamos abrigados, tem casa, tem luz. Eu sei que vai sobrecarregar, mas não é a esse nível no momento. As pessoas estão bem espalhadas. No meu condomínio são cem casas. Nós somos os únicos que estão em Imbé. Tem muitos em Tramandaí, Osório, Capão da Canoa — ressalta.
A gente entende que aqui sobrecarrega as regiões, mas é o único refúgio agora.
CLAITON HOLZ
Morador do bairro Humaitá
Claiton aponta que o litoral ainda consegue receber recursos de outros Estados, caso seja necessário – o que é mais difícil em outras localidades do RS. Agora, a família aguarda a abertura de algum cadastro para desalojados em Porto Alegre e espera receber ajuda do governo.
— E claro, a gente entende que aqui sobrecarrega as regiões, mas é o único refúgio agora. Lá não tem abastecimento. Os mercados estão todos vazios, e cheios de gente, e daqui a pouco vão faltar outras coisas. Aí o prefeito lá pediu para que, quem pudesse, ir para a praia, quem tivesse casa ou amigo. Porque aqui ainda tem recurso. A gente entende que vai sobrecarregar também, mas… essa é a opção — afirma Claiton.
Ainda que algumas pessoas necessitem de auxílio para recomeçar, há quem busque abrigo na cidade, mas esteja se mantendo por conta própria. Youssef Buaes, 32 anos, funcionário da Corsan, do bairro Mathias Velho, de Canoas, conseguiu salvar apenas as roupas antes da casa ficar submersa. No domingo (5), veio para Imbé com a família, buscando refúgio na casa de um tio. A principal dificuldade tem sido em relação a banco e documentos. Assim que a água baixar, querem retornar para tentar limpar e recuperar o que for possível – uma tarefa difícil, reconhece.
— É algo complicado, a situação do prefeito, precisa se colocar no lugar dele, estar atendendo mais pessoas do que pode atender é complicado — pondera.
Opiniões divididas
O decreto causou estranhamento também nos moradores. “Lamentável”, classificou Fábio Mansilha Silva, 43, motorista de aplicativo, reprovando o decreto. Ele observou um aumento de demanda e de preços na cidade, mas ressalta que o essencial é focar em ajudar essa população.
— A gente tem de ser humanitário, e é mais do que justo a gente estar recebendo essas pessoas que vêm em situação de emergência lá de Porto Alegre, de outras cidades, para cá. Eu aprovo totalmente isso — ressalta.
Todos concordam que as cidades não atingidas devem fazer o possível para ajudar as vítimas. O decreto, por outro lado, dividiu opiniões. Pintor em Tramandaí e Imbé, Homero Pinto, 70, externou o receio de alguns moradores de desabastecimento de mais produtos, como carnes e verduras, criticando quem compra produtos para estocar. Ele teme um colapso, mas ressalta que é necessário dar tempo ao tempo.
— O que vão fazer? Como é que vai ser? Receber esse povo todo. É uma surpresa. E recém acabou o veraneio, o pessoal foi tudo embora, agora estão tudo retornando em uma emergência. Agora vai espichar isso, até não sei quando. Os municípios são pequenos e estão preparados para o verão, agora já temos o início do inverno — destaca.
Eu acho que o decreto está certo se o dinheiro for destinado a ajudar as pessoas que perderam tudo e vieram para cá.
ROSANE TEIXEIRA
Moradora de Imbé
A segurança da cidade e a falta de recursos também são preocupações da comunidade, conforme a empresária Dayane Teixeira, 31. Ela afirma ter ficado “chocada”, já que o município não enfrentou nenhum problema em decorrência da chuva.
— Quem já tem casa aqui de veraneio já paga imposto aqui, então tem total direito de participar da cidade. E quem não tem casa aqui, que está procurando abrigo, acredito que não tenha problema nenhum, até porque a cidade tem estrutura — avalia.
A empresária, entretanto, considera o decreto válido por temer escassez de recursos, sobretudo em postos de saúde, devido ao aumento do número de pessoas na cidade. Sua mãe, a aposentada Rosane Teixeira, 59, concorda:
— Eu acho que o decreto está certo se o dinheiro for destinado a ajudar as pessoas que perderam tudo e vieram para cá. Se não, não tem. Nós não precisamos de um decreto desses em uma cidade que não tem chuva, que não tem alagamento.
Apesar do grande movimento, algumas pessoas já começam a regressar para suas cidades. Ao lado da esposa, o perito judicial Alcides Firpo Júnior, 60, veio de São Leopoldo para sua casa em Imbé na segunda-feira (6), pois não tinha água nem luz. Com a situação normalizada em seu condomínio, o casal voltou na manhã desta quinta.
Eu já vim para cá em Natal e Ano Novo que faltou água, de tanta gente que tinha, e nem por isso foi decretado calamidade pública.
ALCIDES FIRPO JÚNIOR
Morador de São Leopoldo
— Eu não entendi muito bem o porquê (do decreto), aqui a situação está boa, por enquanto. Eu não vejo motivo para isso, porque o município, no verão, ia ter de decretar calamidade também. Eu acho uma medida um pouco temerária, porque o município está normal. Eu já vim para cá em Natal e Ano Novo que faltou água, de tanta gente que tinha, e nem por isso foi decretado calamidade pública.
Na opinião de Firpo, a situação atual não terá um efeito a longo prazo nos recursos, por exemplo, de assistência social do município:
— As pessoas vieram com o intuito de fugir da situação em que estavam nas suas casas, mas de forma alguma isso vai gerar essa situação. As pessoas que estão vindo é porque tem alguém aqui ou tem casa. Entendo que o prefeito se precipitou.
Município pede mais doações
Com um baixo estoque de doações, a prefeitura de Imbé tem fracionado os kits destinados a vítimas da enchente abrigadas no município. A prefeitura pede as seguintes doações:
- Esponja de louça
- Desinfetante
- Sabonete
- Lenço umedecido
- Detergente
- Mamadeira
- Shampoo
- Desodorante
- Pomada de assadura
- Azeite
- Massa
- Farinha
- Molho de tomate
- Filtro de café
- Achocolatado
- Urgente
- Escova de dente
- Sabão em pó
- Leite
- Café
- Feijão