O número de desastres provocados por mau tempo aumentou 365% no Rio Grande do Sul em três décadas. É o que indicam dados do Atlas Digital de Desastres no Brasil sobre incidentes ocorridos no Estado em 32 anos.
Dos 4.007 desastres contabilizados, 1.943 ocorreram entre 2013 e 2022, contra apenas 417 entre 1991 e 2000 — primeira década da série histórica registrada no projeto, fruto da colaboração entre o Banco Mundial e a Universidade de Santa Catarina (UFSC).
A base de dados revela outra informação alarmante: os incidentes registrados nos últimos 10 anos correspondem ainda a 48,4% do total de desastres no período monitorado.
O aumento violento da intensidade e frequência dos eventos extremos impulsionou as perdas. Os prejuízos relacionados a desastres provocados pelas chuvas no Rio Grande do Sul em 20 anos chegam, em valores corrigidos pelo IGP-DI em 2022, a cerca de R$ 22,5 bilhões.
Para chegar às cifras e percentuais apresentados nesta reportagem, foram examinadas pela Lupa apenas as tipologias de desastres desencadeados por chuvas e fenômenos correlatos, excluindo-se incêndios, períodos de estiagem, doenças infecciosas virais e ondas de frio ou calor. Entretanto, é importante ressaltar que alguns dos desastres relatados, como o rompimento de barragens, podem ter eventualmente outra origem.
Prejuízos se avolumam
Dos prejuízos estimados pelo Atlas no RS, cerca de R$ 19,91 bilhões se referem a perdas relacionadas ao setor privado em 20 anos. O restante, pouco mais de R$ 2,61 bilhões, refere-se a danos no setor público. Quando se observa apenas o valor perdido em infraestrutura, independente do setor, por outro lado, a cifra é de R$ 4,18 bilhões.
Os impactos também podem ser observados por área. Os prejuízos na habitação foram estimados em R$ 2,26 bilhões. Por sua vez, as perdas na saúde e na educação foram relativamente menores, totalizando cerca de R$ 85 milhões e R$ 121 milhões, respectivamente.
Os dados do Atlas ainda apontam que 88,4% dos prejuízos totais estão relacionados à economia do Estado, chegando a R$ 19,9 bilhões. As maiores perdas foram na agricultura, de aproximadamente R$ 16,72 bilhões. Em segundo lugar, ficou a pecuária (R$ 1,74 bilhão), seguida por serviços (R$ 816 milhões) e indústria (R$ 612 milhões).
O impacto nas áreas rurais pode ser constatado quando se analisa o ranking das cidades mais afetadas economicamente. A maioria delas tem forte tradição agrícola. As 10 cidades gaúchas com mais perdas relacionadas ao mau tempo totalizam cerca de R$ 5 bilhões em prejuízos em 20 anos. Juntas, elas correspondem a 22% do total do Estado entre 2003 e 2022. No topo da lista, está Dom Pedrito, na Fronteira Oeste, com danos estimados em R$ 922,4 milhões nesse período.
Outros municípios próximos se destacam na lista: Itaqui (R$ 706 milhões), Vacaria (R$ 616 milhões), São Gabriel (R$ 589,23 milhões), Uruguaiana (R$ 547,28 milhões), São Borja (R$ 394,09 milhões), Rosário do Sul (R$ 370,65 milhões), São Lourenço do Sul (R$ 301,23 milhões), Alegrete (R$ 283,29 milhões) e Santana do Livramento (R$ 278,15 milhões).
Perdas nos municípios
A base de dados atualizada até 2021 pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil da UFSC e atualmente mantida pelo Departamento de Articulação e Gestão da Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, indica que cidades da área central do Estado (regiões dos vales dos rios Taquari e Rio Pardo, duramente atingidas agora) e da Fronteira Oeste (próxima de Argentina e Uruguai) são as mais frequentemente afetadas por chuvas que causam grandes estragos desde 1991.
A principal fonte oficial de informações históricas sobre desastres no país, idealizada para embasar políticas públicas, pesquisas e iniciativas relacionadas à gestão de riscos, indica que a cidade de Santa Cruz do Sul registra o maior número de desastres. Foram 62 incidentes provocados por enxurradas em três décadas.
Dois municípios aparecem empatados em segundo lugar, Cachoeira do Sul e São Jerônimo, com 31 registros cada. Outros 10 anotaram ao menos 20 desastres no mesmo período: Sobradinho (28), Soledade (27), Rio Pardo (24), Estrela (23), Fontoura Xavier (22), Santa Maria (22), Canguçu (21), Eldorado do Sul (20), Montenegro (20) e Venâncio Aires (20). Já a Região Metropolitana de Porto Alegre, devastada agora pelas enchentes, não aparece entre os locais mais frequentemente atingidos por desastres climáticos nas últimas décadas.