A cena choca. Na pista do Salgado Filho jaz um Boeing 727 com a água tocando a sua barriga. A enchente histórica fez o aeroporto perder o aero, ficar só com o porto, mais propício para chegadas e partidas de barcos do que de aviões. Dentro do prédio, a água tomou conta do primeiro andar. O tamanho do estrago só será dimensionado com precisão quando toda a água for escoada, mas há a certeza de que muitas frentes de intervenção terão de trabalhar a pleno para a retomada das operações.
Inoperante desde a noite de 3 de maio, o Salgado Filho ainda não sabe quando voltará a funcionar. Operadora do aeroporto, a Fraport não estipula uma data, afirma apenas que as atividades estão paralisadas por tempo indeterminado e de que não há “uma estimativa dos danos causados pela enchente. Após as águas baixarem, teremos condições de avaliar em detalhes os impactos na infraestrutura aeroportuária”. No começo da semana, o colunista Jocimar Farina informou que o local deve retomar as operações em setembro.
GZH ouviu especialistas sobre as possíveis condições do aeroporto e os problemas que serão enfrentados para ele ser recolocado em funcionamento. Estimativas para a volta dos pousos e decolagens são evitadas, mas eles apontam as principais estruturas que podem ter sido atingidas pela chuva de maio.
— Há uma boa expectativa de que os danos na estrutura da pista e do pátio sejam menores, pois ficam em um terreno que trabalha com água — avalia Felipe Brasil Viegas, coordenador do curso de Engenharia Civil da PUCRS.
Apesar de os olhos estarem na pista submersa, outras áreas da infraestrutura, chamadas de lado terra, em que há circulação de carros e pessoas, podem ter sido afetadas e atrasar a volta do vai e vem de aeronaves.
— Depois que a água for drenada, se faz a inspeção, depois podem liberar parcialmente a pista e gradativamente o funcionamento aumentar, mas a infraestrutura do prédio tem muito peso no funcionamento de um aeroporto — pondera Francisco Perez, professor doutor da AeroTD e especialista em aeronavegabilidade continuada.
A seguir, veja um panorama dos diferentes pontos que podem abalar o funcionamento do Salgado Filho quando a água baixar.
Área de pista e circulação de aeronaves
A cena da pista virada em lagoa pode ser mais impressionante do que os danos causados no lado ar, formado pela área destinada à movimentação das aeronaves. A região onde se encontra o Salgado Filho é um aterro com quatro metros de espessura. As características fazem com que o solo por baixo da pista seja mole e de baixa resistência, podendo ocorrer algum tipo de deslocamento devido ao severo alagamento.
— Pode ser que a pista tenha perdido a planicidade — relata Viegas.
Outro ponto a ser analisado é o pavimento em si. Se danificado, necessitará de uma recapagem, processo que não é considerado longo. Assim que a água se dissipar, a pista passará por um teste de PCN, responsável por calcular o nível de resistência da estrutura.
— A pista é impermeável. É resistente, capaz de receber grandes aeronaves. A chance de infiltração é pequena. A medição não é demorada, não é um trabalho longo — argumenta Perez.
Sinalização de voo
A conjuntura relacionada à iluminação da pista pode ser custosa em um quadro mais devastador, mas nem tão dramático. Se houver consequências graves, os aparelhos poderão ser trocados. Em caso de um contexto mais ameno, uma calibragem do equipamento deverá ser necessária. O processo, entretanto, não inviabilizaria o funcionamento.
Nesse caso, o Salgado Filho passaria a operar apenas visualmente, sem a utilização do ISL, sistema de pouso por instrumentos. A medida limitaria a quantidade de pousos e decolagens. Em momentos de baixa visibilidade, a pista teria de ser fechada. Voos noturnos não seriam operados.
— Mesmo assim, se tudo der errado, em 15 dias poderia ser estabelecido o sistema — estima o professor doutor da AeroTD e especialista em aeronavegabilidade continuada.
Sistema de bagagem
O sistema de movimentação de bagagens de um aeroporto do porte do Salgado Filho é engenhoso. A água que entrou no primeiro andar pode ter estragado não apenas as esteiras em que malas são retiradas por quem desembarca em Porto Alegre, mas também as de quem deixa a cidade.
Nos bastidores, há um sistema de ganchos e esteiras que permitem que a bagagem despachada no segundo andar se movimente automaticamente para o andar de baixo, de onde partirá para ser colocada nas aeronaves.
Prédio e acessos
As maiores preocupações, para leigos, residem na pista, mas o lado terra, dependendo do grau das avarias, tem a capacidade de ser o tendão de Aquiles para a capacidade de funcionamento do aeroporto. Além de uma extensa limpeza do terminal, acredita-se que os equipamentos das companhias aéreas tenham sido perdidos.
Imagens mostram o estacionamento com carros submersos. A condição dos acessos influencia na capacidade de atividades. Em alguns pontos, as estruturas não devem ser tão resistentes quanto nas áreas de pista.
— Prevejo buracos na área do pátio e na de circulação dos carros — prevê o coordenador do curso de Engenharia Civil da PUCRS.
Outros pontos secundários, mas fundamentais para o bom funcionamento dos voos, também podem ter sido afetados. Existe a possibilidade de que haja a necessidade de substituição de geradores, subestações de energia, tanques de combustível, aéreas de apoio, entre outros.
— Tudo tem um grande custo, mas também tem o lucro cessante de não ter o aeroporto para o Estado, para a sociedade e para a operadora — complementa Viegas.