Milhares de gaúchos tiveram suas residências atingidas pelas enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul em maio. Muitos dos afetados vivem em casas alugadas e, de acordo com especialistas, podem finalizar seus contratos de aluguel sem pagamento de multa ou negociar um novo valor com o locador do imóvel.
Segundo o advogado e professor de direito da PUCRS, Cristiano Schmitt, o aluguel não pode ser cobrado no período em que o imóvel estiver alagado e inabitável, já que a propriedade não estaria cumprindo sua função. Ele realça que quando ocorre um caso de força maior, como a enchente, o contrato pode ser finalizado sem cobrança de multa rescisória.
— Há pessoas que vão fechar 30 dias sem chegar ao imóvel por conta de alagamento — exemplifica Schmitt. — Possivelmente vão lá só para pegar suas coisas e ir embora. Portanto, já podem dar como rescindido este contrato a partir do momento que elas não tiverem mais acesso ao imóvel. Esse problema é assumido pelo locador.
Schmitt frisa que há outros caminhos de conciliação na medida dos interesses dos envolvidos. Se o inquilino tiver a intenção de voltar ao imóvel, há possibilidade de negociação, como um novo valor para o aluguel. Os descontos podem ser proporcionais aos danos se a residência estiver habitável.
— Isso é opção, não dever. O locatário pode seguir nessa linha — pontua.
Por outro lado, Schmitt salienta que os reparos ocasionados pela enchente são de responsabilidade do proprietário. Portanto, essas reformas não podem ser cobradas do inquilino.
Em certos casos, o imóvel pode estar intacto, mas inacessível por conta de rua alagada. Schmitt indica que isso pode refletir na vida do inquilino, especialmente se for um local utilizado como negócio. O advogado pondera que seria possível tentar revisar com o locador uma redução no aluguel nesse período.
— Pode-se entrar em juízo para tratar com a ideia de revisão de valores, pois ocorreu um fato imprevisível, que ocasionou prejuízo. Ele pode buscar uma redução proporcional do aluguel. O custo não corresponde mais a realidade que vinha sendo cobrado — destaca.
Em caso de cobrança indevida ou algum tipo de abuso, a orientação é recorrer à Justiça. Schmitt aconselha buscar um advogado que entenda de direito de locações e saiba transitar nesse meio. O Procon também pode auxiliar quem se sentir lesado, destaca o diretor executivo da instituição em Porto Alegre, Rafael Gonçalves.
— O departamento vai poder orientar em o que for abusivo, como um aumento de preço em função da calamidade ou se em função dos custos de reforma, o proprietário quiser aumentar o valor do aluguel. O inquilino só pode ser responsável por um dano que ele tenha causado.
Em nota, o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis (Secovi-RS) recomenda que inquilino e locador busquem nas alternativas presentes na Lei do Inquilinato, que “atenda da melhor forma neste momento o interesse e a necessidade das partes”. “Constatada a inviabilidade das condições de habitabilidade, as partes podem convergir na possibilidade de colocar fim ao contrato. Para tanto, cada caso deve ser analisado conforme as circunstâncias que apresentar”, diz o comunicado.
O Secovi-RS acrescenta que a falta de fornecimento de serviços públicos (luz, água, gás, etc.) que tem ocorrido com frequência neste período, devido aos reflexos da tragédia climática, não é da responsabilidade do locador: “Não ensejam nenhum desconto ou abatimento das obrigações assumidas em contrato”.
Entre as orientações, o sindicato ressalta que “é dever legal do locatário noticiar estes fatos à imobiliária ou ao proprietário, informando as condições reais do imóvel, sobre problemas e a situação do imóvel”.
“A recomendação é que isto seja feito por escrito (WhatsApp e e-mail), o quanto antes. Esta informação demonstra a boa-fé do locatário e também mostra ao locador a necessidade de alguma ação no imóvel ou a adoção de outras medidas para resolver o contrato”, informa a nota, recomendando também o registro do imóvel por meio de fotos, vídeos e demais documentações detalhadas.
Taxa de condomínio
Em relação à taxa de condomínio, o Secovi indica que a cobrança da cota persiste, mesmo no atual momento. “O dever legal do condômino (proprietário) em pagar a cota de condomínio é um princípio fundamental para fazer frente às despesas normais e habituais (contas de água, luz, empregados, prestadores, etc), a manutenção e funcionamento adequado dos espaços coletivos, que está previsto no artigo 1.336 do Código Civil”, diz o sindicato em nota. “Afinal, é por meio desses recursos que o condomínio pode arcar com as despesas necessárias para restaurar as condições de habitabilidade da edificação afetada”, acrescenta.
O Secovi indica que estes dias de afastamento do inquilino podem ser abonados pelo locador. “Mesmo assim, é importante salientar que o dever de pagar o condomínio seguirá então com o locador. Assim que a situação se normalizar e o inquilino regressar no imóvel, voltará a ele a obrigação da cota de condomínio”, completa o comunicado.