"Cercadas, mas não privadas": essa poderia ser a descrição de algumas áreas das praias de Xangri-Lá, no litoral norte gaúcho, onde estacas de madeira de cerca de meio metro envolvem parte das volumosas dunas de areia da região. Quem chega para aproveitar o verão na cidade pode até se intrigar com o cenário diferente, mas a medida não impede o acesso dos banhistas.
A proposta não é impedir o ingresso às praias, mas sim uma estratégia ecológica adotada pela prefeitura de Xangri-Lá desde setembro. O objetivo principal é ter um controle mais eficiente da areia que se espalha pelas dunas.
O biólogo e Diretor do Meio Ambiente da cidade, Matheus Magnus Francisco, explica que a técnica, chamada de "cercas de contenção" ou "sandfences", é aplicada nas dunas para ajudar no manejo ambiental da região. As estacas são instaladas em pontos estratégicos da orla de Xangri-Lá como forma de conter a fuga excessiva de areia.
— As cercas são equipamentos de madeira utilizados no manejo de dunas para várias funções, para contribuir no preenchimento e na construção das dunas frontais. São utilizadas em áreas previamente diagnosticadas e licenciadas dentro do Plano de Manejo de Dunas de Xangri-Lá — explica.
Ao menos 20 estruturas do tipo foram instaladas pelas praias do município. Conforme o biólogo, além de contribuírem na construção das dunas frontais, as estacas de madeira também auxiliam no crescimento da vegetação típica e proteção da própria fauna na região.
A elaboração do projeto é do professor Luiz Tabajara, oceanógrafo e doutor em geologia marinha pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ele é proprietário da empresa Seagrass, que está por trás do projeto na cidade.
Uma das soluções apresentadas pelo projeto, segundo Tabajara, é a manutenção das dunas ao longo do tempo. Com a contenção da areia, é possível mitigar, por exemplo, a própria erosão no solo do local.
— Os "sandfences" evitam a fuga da areia para o calçadão e para a própria Avenida Beira-Mar, por exemplo. Essa estratégia vem sendo estudada desde 2015, mas foi implementada em setembro, ainda na primavera — conta.
Conforme o professor, o Plano de Manejo de Dunas de Xangri-Lá previa a implantação das cercas nesses pontos e vai ser ampliado para outros locais.
— Essas medidas são mais eficazes quando aplicadas no período da primavera, época em que os ventos e os suprimentos arenosos aumentam, potencializando os efeitos das cercas de contenção. Com isso, podemos evitar possíveis transtornos à infraestrutura próxima da areia — aponta o oceanógrafo.
Não tem qualquer ligação com projeto de privatização de praias. É apenas uma forma de proteção do local
LUIZ TABAJARA
Oceanógrafo e doutor em geologia marinha pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Além das estacas, o idealizador do projeto explica que o trabalho do Plano de Manejo de Dunas de Xangri-Lá conta ainda com outras estratégias para a proteção de áreas mais vulneráveis da cidade. E reforça: a presença dos veranistas e moradores não é prejudicada.
— O pessoal se espanta, mas isso não tem qualquer ligação com projeto de privatização de praias. É apenas uma forma de proteção do local e do próprio ambiente — aponta.
Proposta não tem ligação com a PEC das Praias
Apesar de despertar a atenção de moradores e veranistas que circulam pelas areias de Xangri-Lá, as estacas de madeira que cercam as dunas do município não têm qualquer vínculo com a chamada PEC das Praias.
A Proposta de Emenda à Constituição
A PEC 3/2022 é um projeto que altera as regras sobre a posse de áreas litorâneas no Brasil. Atualmente, as praias pertencem à União, ou seja, pertencem ao governo federal, e qualquer pessoa tem o direito de acessá-las livremente. Porém, com a PEC, as áreas à beira-mar poderiam ser vendidas para empresas ou pessoas de forma privada.
A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) adiou, no início de dezembro, a votação da proposta de emenda à Constituição. O governo federal recentemente se posicionou contra a proposta, sob a justificativa de que a PEC pode levar à privatização de praias conhecidas.