Das voltas que a vida dá: o plantão no pronto-atendimento do Hospital Santa Cruz, em Santa Cruz do Sul, a 153 quilômetros de Porto Alegre, entre a noite de quinta (22) e a madrugada da última sexta-feira (23), foi especial para o médico Carlos Dornelles e para o estudante de Medicina Gustavo Cadore.
Dornelles foi o primeiro socorrista a entrar na boate Kiss, em 27 de janeiro de 2013, após o incêndio que atingiu o local. Ele atendeu os feridos e organizou toda a transferência dos casos mais graves de Santa Maria para Porto Alegre. Ao todo, 57 feridos chegaram à Capital de avião ou helicóptero. Cadore estava entre eles.
— Jamais passou pela minha cabeça que eu pudesse aprender com a pessoa que me ajudou daquela vez. É muito gratificante. Não tenho palavras para agradecer — conta Cadore.
Motivação
Hoje com 42 anos, Cadore estava com a defesa da tese de doutorado em Medicina veterinária marcada para março de 2013, quando houve o incêndio. Foi uma das últimas pessoas a sair da boate com vida, teve quase 40% do corpo queimado e ficou nove dias em coma no Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre. Precisou passar por dezenas de cirurgias até que pudesse retomar a vida.
Ele diz que a tragédia fez com que amadurecesse, aprendendo a valorizar o que, para ele, realmente importa na vida. Concluiu o doutorado e, nessa reflexão, voltou a pensar em uma antiga vontade que tinha e que existia desde a época em que optou pela Medicina veterinária nos anos 1990: a de cursar Medicina.
— Sempre tive essa vontade. E o incêndio me fez pensar mais nisso. Eu estive em uma situação de depender muito dos outros para fazer coisas que a gente dá como garantidas: respirar, caminhar, comer. Eu não conseguia tomar um copo de água sozinho. Agora, posso retribuir — relata.
Reencontro
E foi aí que a vida começou a dar as suas voltas. Cadore prestou vestibular para algumas universidades e passou na Universidade de Santa Cruz do Sul, que tem convênio com o Hospital Santa Cruz, onde Dornelles trabalha.
Cadore diz que tomou conhecimento do papel de Dornelles na sua vida há cerca de um ano, mas nunca havia falado com o médico. Quando saiu a escala do plantão, o socorrista reconheceu o nome do aluno.
— Foi o acaso que nos reuniu. Carlos quase chorou e eu também. Foi gratificante. Me sinto honrado em poder aprender com ele. Eu passei pelas mãos dele sem nem saber em 2013. Trocamos muitas ideias nesta noite. Foi muito legal — brinca Cadore.