— Será que é verdade que vem outra?
O questionamento é da zeladora do cemitério de Muçum, Ivete Salton Pegorer, que circulava entre entulhos e barro que ainda cobrem os túmulos do local na manhã desta segunda-feira(4), exatos três meses após a enchente histórica que devastou o município do Vale do Taquari em setembro. O El Niño no Oceano Pacífico e seus efeitos no Rio Grande do Sul são os principais assuntos na cidade de 5 mil habitantes, traumatizada pela morte de 17 pessoas e duas que ainda seguem desaparecidas.
Embora a gravidade da destruição tenha inviabilizado as tentativas de recuperação ou limpeza do cemitério, onde trabalha há 15 anos, Ivete mantém por hábito as idas ao local para atender familiares em busca de informações sobre as lápides de seus entes.
O medo de que os episódios de enchente se tornem recorrentes é o principal responsável por saídas temporárias ou até mesmo definitivas de moradores da cidade, segundo a prefeitura de Muçum, que no entanto não tem estimativa de quantas famílias deixaram o município.
Se tivesse condições, a zeladora faria parte desse grupo, garante:
— Só que eu tô pagando o financiamento. E assim, pra quem que a gente vai vender agora, né? Eu iria pra Encantado, sei lá, pra perto da minha família, num lugar onde não vai água. Pelo menos quando vem enchente, a gente não fica com aquela angústia, aquela coisa ruim no corpo, a gente fica muito ruim, né? Quando começa a anunciar, quando chove, começa a trovejar, aquelas coisas que dão uma tremedeira, parece que a água tá vindo aí. Muito triste — lamentou.
O prefeito Mateus Trojan admite a dificuldade de mobilizar os moradores, sobretudo após a segunda maior enchente da história, registrada em 18 de novembro.
— Apesar da proporção enorme, exorbitante, surreal do que aconteceu (na primeira), nós estávamos conseguindo motivar e criar um contexto de recuperação da autoestima das pessoas, fazendo com que elas se sentissem bem de estarem em Muçum, de continuarem em Muçum. Esse novo impacto gera novamente uma queda desse sentimento, uma desmotivação até maior por conta da reincidência — avaliou o chefe do Executivo.
Reconstrução
Sentado na beira da ponte rodoviária Brochado da Rocha, que ligava Muçum a Roca Sales, o auxiliar de serviços gerais Lázaro Davi da Gosta aponta para o lado oposto da margem.
— Tava lembrando de lá — comenta.
Antes morador de Roca Sales, passou a morar na casa de um familiar em Muçum por conta da dificuldade de atravessar a ponte. A travessia agora só é possível pela parte ferroviária da ponte e envolve uma caminhada longa e arriscada sobre os trilhos.
— Eles não deixam mais construir lá (em Roca Sales). Se pudesse, eu voltava pro meu cantinho. É ruim ficar na casa dos outros — disse Lázaro.
Conforme o prefeito, a expectativa é de que ainda nesta semana seja aprovada a garantia de recurso, que vai possibilitar que o processo de licitação avance.
— As pessoas estão tendo que atravessar os trilhos por cima da ponte, do viaduto, passando por esse constrangimento praticamente todos os dias e sabendo que isso não é confortável, não é nem seguro. Então a gente está numa expectativa muito grande dessa aprovação — diz Trojan.
Sobre programas de habitação, a prefeitura afirma que um terreno já foi desapropriado em parceria com o governo do Estado para a construção de 200 casas por meio do programa Minha Casa Minha Vida.