No aniversário de seis anos, GZH traz histórias de pessoas que foram impactadas por reportagens publicadas no jornal digital. Uma dessas reportagens teve como protagonista Rejane Ferreira, dona de um sítio que abriga animais na zona sul de Porto Alegre.
Dividindo espaço com dezenas de focinhos curiosos, Rejane Velho Ferreira, 50 anos, aguardava a equipe de reportagem escorada em uma porteira. O "Sítio da Rejane", localizado no Lami, zona sul de Porto Alegre, é lar de mais de 400 animais e foi pauta de GZH em 2020. Quase três anos depois, a reportagem voltou ao local, que não diminuiu a quantidade de bichos e ainda enfrenta os mesmos desafios.
Ela afirma que a publicação da reportagem foi importante para que sua história chegasse a mais pessoas que poderiam apoiar financeiramente o projeto, especialmente porque a continuidade do projeto foi ameaçada na pandemia, com a alta de custos.
— É muito importante pra gente esse espaço, porque é quando realmente torna a informação universal, vai pra todos os cantos. Não fica restrito a uma rede social ou àquelas pessoas que já são teus contatos — comenta Rejane.
Entretanto, a divulgação do local como referência em cuidado com os animais também teve um efeito colateral: a maior procura do sítio para abandono de cães e gatos.
— Toda vez que sai uma matéria, e é fundamental para nós que haja essa divulgação, existe um aumento de procura para nos ajudar, para adotar. Mas também há um aumento de procura para abandonar outros animais sob nossa responsabilidade. E assim já não dá mais, a gente vive na superlotação, na sobrecarga e, às vezes, na linha entre a sanidade e a loucura — relata Rejane.
Apelo ao poder público
O apelo é para que além de pessoas físicas, o poder público também se mobilize para auxiliar projetos de proteção animal. De acordo com Rejane, por vezes o local é escolhido como lar para animais resgatados pela Brigada Militar ou pelo Corpo de Bombeiros, mas não há nenhuma contribuição desses órgãos para o cuidado com os animais e manutenção do local.
É muito importante pra gente esse espaço, porque é quando realmente torna a informação universal, vai pra todos os cantos
REJANE FERREIRA
A pandemia também provocou um aumento no número de pets abrigados no sítio. Embora o distanciamento social tenha impulsionado a adoção, muitos animais perderam tutores para a covid-19, e outros foram abandonados por problemas financeiros.
— Tenho vários cães que são órfãos da pandemia, são animais cujos donos faleceram e eles acabaram vindo para cá. E aí a gente acabou tendo um acréscimo de moradores aqui por conta das dificuldades que as pessoas enfrentaram na pandemia. Tiveram algumas adoções, mas também várias chegadas por conta da perda de poder aquisitivo ou de emprego, ou da própria vida das pessoas que os animais acabaram ficando sem o tutor — conta Rejane.
Busca por adotantes
Consumindo seis toneladas de ração por mês, os animais têm o custo mensal de aproximadamente R$ 60 mil. Sem auxílio do poder público ou ajuda de empresas privadas, Rejane conta com a solidariedade das pessoas para fechar o mês, mas nem sempre é possível. Embora a reportagem de 2020 tenha ajudado na divulgação para doações, o local ainda tem um déficit de R$ 15 mil por mês.
O projeto também realiza a castração dos animais que são acolhidos, um serviço que teve alta nos valores — uma vez que aumentaram os preços dos materiais hospitalares.
Para conseguir manter o sítio, Rejane oferece a possibilidade de apadrinhar cães e gatos ou o pagamento mensal de R$ 200 para que o animal seja abrigado no local. Essa é a principal fonte de renda do sítio, que também busca doações e parcerias com clínicas veterinárias. O principal objetivo é sempre a adoção dos bichinhos.
A história do sítio
Rejane comprou o sítio há 17 anos. O objetivo inicial era morar com a família e ter mais espaço para os dez cães e seis gatos que tinha na época —a contadora, que não exerce mais a profissão, sempre ajudou os animais. Antes do sítio, pagava um local para abrigar cachorros que haviam sido abandonados. O acolhimento foi crescendo e hoje Rejane tem 400 cães e 30 gatos, além de galinhas, um cavalo e até ovelhas.
Na propriedade de 15 mil metros quadrados, além de Rejane, as duas filhas e o marido, residem dois funcionários com suas famílias. Ao todo, oito pessoas trabalham no abrigo, que não conta com voluntários para o trato com os animais. De acordo com Rejane, é difícil receber pessoas novas no local, pois os animais ficam mais agitados.
Uma das características que diferencia o sítio de outros abrigos é a ausência de um canil. Os animais ficam soltos em grandes espaços divididos por cercas, com exceção de alguns que necessitam de cuidados especiais ou estão em fase de adaptação. Rejane conta que são os próprios cachorros que escolhem em qual espaço ficam, e acabam entrando para matilhas de acordo com as afinidades de cada um com o grupo.
“O futuro é incerto”
Rejane quer se aposentar quando completar 65 anos de idade, mas ainda não tem uma solução definitiva para os 400 animais que acolhe. As duas filhas, Amanda Ferreira Konzen, 13 anos, e Natália Ferreira Konzen, 12 anos, auxiliam na rotina e cuidados com os animais, mas a ideia é que elas não fiquem com a mesma responsabilidade.
Ela reafirma o apelo para que o poder público ajude na adoção e na castração de cães e gatos, além de incentivar o envolvimento da sociedade.
— Eu nem sou veterinária, eu sou contadora e acabei aqui. Não é um sonho nosso que continue dessa forma, até por isso tem que haver a doação. E também que a gente consiga mobilizar o poder público, porque é um problema muito grave deixar tantos animais, tantos seres vivos, sob responsabilidade de uma única pessoa, né? — desabafa.
*Produção: Giovanna Batista