Roca Sales, a Cidade da Amizade do Vale do Taquari, transformou-se num infindável lamaçal. Nesta quinta-feira (7), os moradores se uniram em todos cantos do município para remover as camadas de lama das casas e comércios que restaram inteiros. Outros puderam retirar o pouco que restou, também coberto de barro, e amontoaram entulhos em frente às moradias.
A chuva que caiu fraca durante a manhã deu lugar ao sol no início da tarde. As ruas foram tomadas por pessoas munidas com enxadas, vassouras, pás e rodos. O trânsito de veículos também é intenso em boa parte da cidade. Muitos voluntários chegaram de diferentes locais, com doações, como água e comida. Logo na entrada, há uma tenda com fardos de garrafas de água e mantimentos.
Na Rua Emílio Lengler, no Centro, Adriano Eneas, 46 anos, despejava baldes de lama removidos de dentro de casa. No chalé de madeira, vivia com o pai, Lucas Eneas, 91 anos. Na última segunda-feira, o idoso estava internado no Hospital de Roca Sales. Ao saber da enchente que se aproximava, o filho deixou o pai acompanhado de uma cuidadora casa de saúde e seguiu para a residência. Removeu todos os móveis para um cômodo no segundo andar, acreditando que assim tudo estaria protegido. Nas horas seguintes, a água subiu depressa, alcançando até mesmo o piso superior, e danificando o que ele havia armazenado.
— Perdi tudo. Só fiquei com a roupa do corpo. A casa ficou toda submersa — conta.
Em frente à casa, voluntários andavam distribuindo lanches para os atingidos.
— O senhor já almoçou? — indagou um rapaz para Eneas, que confirmou já ter se alimentado.
— Não adianta pegar pra mim se já comi. Deixa para os outros — ponderou o morador.
Aos fundos da residência, na área onde ficava a cozinha e a lavanderia, uma cena que demonstra a força da enxurrada. A casa vizinha foi arrastada pela água e só parou quando bateu contra as paredes, destruindo parte do telhado.
No hospital, o pai de Adriano precisou ser removido às pressas porque a água começou a invadir o local. O idoso precisou ser embarcado num bote dos bombeiros.
— Meu pai não fala, não se comunica. Eu não conseguia chegar no hospital, eles não conseguiam entrar em contato porque não tinha sinal de telefone. Não sabia onde ele estava. Só ontem eu descobri — diz o filho, que conseguiu localizar o pai no hospital de Encantado.
Na mesma rua, Silvino Paulos, 68 anos, e a neta Kailane Silvestre, 18, removiam lama de dentro de casa de dois andares. O quintal deles foi tomado também por moradias vizinhas destruídas.
— Pela primeira vez a água subiu tão alto. Invadiu tudo. Não sobrou nada — diz o morador.
Silvino não conseguiu remover nenhum móvel a tempo. Partiu às pressas com a esposa levando somente as roupas que vestiam. A casa ficou totalmente submersa pela água.
— Não acredito que isso está acontecendo. Parece que vou acordar e que a cidade vai estar inteira de novo — diz Kailane.
A jovem tentou ajudar a salvar o que havia na loja onde trabalha, mas a água arrastou tudo, até mesmo as prateleiras. O comércio está arrasado e coberto de lama.
— Não tem quem esteja parado. Se a pessoa não perdeu algo, algum familiar perdeu — diz.
Quando um helicóptero cruza sobre a moradia, Kailane fica pensativa, recordando dos momentos de pavor vivenciados pelos moradores:
— Chega a arrepiar esse som e o barulho das sirenes.
Avô e neta ponderam que a situação é ainda mais difícil para aqueles que perderam seus familiares. Somente em Roca Sales há 10 mortes confirmadas.
— Isso dói no coração da gente — diz Silvino.
Em frente à residência, uma janela de outro lar arrasado pende na fiação elétrica junto de um sapato feminino. No mesmo lugar, um voluntário se aproxima.
— Tem cachorro aí? — indaga aos moradores, enquanto entrega porções de ração para os animais.
"Eu já vi muita enchente. Mas nunca vimos a água subir tão alto"
Também na área central, na Rua Rio Branco, o cenário é de devastação. Casas foram partidas ao meio, ou tiveram as fachadas arrancadas pela correnteza. Em frente a uma delas, Isidoro Kummer, 70 anos, usou um trator para resgatar o que sobrou de móveis de um familiar. No reboque, dois botijões de gás, um fogão, um sofá e uma cômoda cobertos pela lama escura.
Os dois quartos, que ficavam na parte da frente da casa, desapareceram. Ao lado, uma borracharia foi levada pela água, assim como a casa de dois andares que ficava ali.
— Eu já vi muita enchente. Mas nunca vimos a água subir tão alto. Só deu tempo de ela fugir — relata Isidoro.
Morador de Linha Marechal Deodoro, na área rural de Roca Sales, o agricultor não teve a casa atingida, mas a região também está sem energia elétrica como o restante do município.
— É muito triste isso. Mas pior são os que perderam a família — diz o idoso.