Cada vez mais demandadas pela população com a intensificação dos desastres naturais, como foi o caso do temporal que atingiu São Sebastião (SP) e causou 65 mortes em fevereiro, as defesas civis dos municípios enfrentam dificuldades de estrutura e de equipe, especialmente nas pequenas e médias cidades do país. No interior do Rio Grande do Sul, a situação não é diferente: existem poucos servidores dedicados exclusivamente à função, os recursos são escassos e, não raro, faltam equipamentos básicos como telefone fixo e celular com acesso à internet.
A realidade está estampada na pesquisa Diagnóstico de capacidades e necessidades municipais em Proteção e Defesa Civil, publicada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional, em 2021. O questionário enviado aos 497 municípios gaúchos teve retorno de 161 prefeituras, cerca de um terço das administrações locais. Na região Sul do país, foram compiladas as respostas de 569 cidades.
A atuação da Defesa Civil no Brasil é dividida basicamente em duas fases: a gestão de riscos para prevenir desastres (antes do fenômeno) e o enfrentamento (depois que já ocorreu). O órgão possui estrutura nos municípios, nos Estados e no governo federal. Quando há um alerta para risco de desastre, a primeira estrutura que entra em campo para proteger a comunidade é a Defesa Civil do município. Dependendo do tamanho do problema, são acionadas as defesas civis estadual e o governo federal, que entram com o auxílio logístico, de materiais e financeiro.
A pesquisa publicada em 2021 trata principalmente das defesas civis municipais, que são responsáveis pela primeira resposta aos desastres. Um dos pontos que mais fica evidente no levantamento é a restrição financeira. Nos municípios da Região Sul que responderam à pesquisa, apenas 33% das defesas civis têm orçamento próprio, 15% dependem das transferências de outras secretarias e 4% dispõem de emendas parlamentares. Do outro lado, 20% das defesas civis municipais disseram que não possuem orçamento próprio e 10% não souberam responder — os percentuais não fecham 100% porque os municípios podiam assinalar mais de uma opção nesta questão.
Outra dificuldade apontada com frequência pelos coordenadores municipais é o reduzido contingente de pessoas para atuar na prevenção e mitigação de desastres naturais. Em 74% dos municípios do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná que participaram da pesquisa, a equipe local é formada somente por uma ou duas pessoas.
— Como não existe uma carreira para a Defesa Civil, as ocupações dos cargos se dão por indicação política. Esta alta rotatividade tem como consequência a falta de continuidade na manutenção de bons projetos. O grande desafio é a profissionalização, uma das demandas mais antigas das defesas civis no Brasil — analisa a pesquisadora Fernanda Dalla Libera Damacena, que é advogada, consultora e especialista em Direito dos Desastres.
Apesar do cenário demonstrado pela pesquisa, o subchefe da Defesa Civil do RS, coronel Marcus Vinícius Gonçalves Oliveira, pondera que não há necessidade de uma equipe numerosa nos municípios para atender às demandas locais. O coronel diz que as defesas civis precisam "trabalhar de forma sistêmica", utilizando a estrutura da própria prefeitura, como servidores de obras e de assistência social.
— Para isso, precisa ter capacitação. Naqueles municípios que têm corpo mais permanente, o coordenador municipal tem um conhecimento maior da atividade. Não precisa ter uma megaestrutura. Nós precisamos fazer com que o Estado trabalhe de forma articulada — avalia o subchefe da Defesa Civil estadual.
Falta de pessoal amenizada por voluntários
Em São Sebastião do Caí, município de 26,1 mil habitantes cortado pelo Rio Caí, a equipe "fixa" da Defesa Civil municipal é composta por duas pessoas: o coordenador Ênio dos Santos e uma servidora que auxilia nas funções burocráticas. A cidade sofre com recorrentes alagamentos em períodos chuvosos, que exigem o auxílio de funcionários que trabalham em outras áreas da prefeitura, como motoristas e operários.
Santos, inclusive, é servidor da Guarda Municipal de São Sebastião do Caí. Foi nomeado para coordenar a Defesa Civil em 2021 pelo atual prefeito, Júlio Campani (PSDB). Antes disso, já havia atuado como voluntário nas ações da Defesa Civil.
Em tempos de bonança, o órgão municipal se prepara para eventuais emergências com o cadastramento das famílias que vivem às margens do Rio Caí para facilitar a remoção, em caso de necessidade. Conforme o coordenador da Defesa Civil municipal, as moradias em locais "inadequados" se explicam pela baixa renda das famílias e pela tradição, já que muitas pessoas vivem há décadas na área alagável da cidade e não querem sair.
— Nós temos um plano de contingência, monitoramos o rio sempre que tem sinal de elevação. Se chega a 7,5 metros, passamos para o estado de atenção. Se tem perspectiva de continuar a elevação, ultrapassando 10,5 metros, passamos para o estágio de providenciar a possível remoção das famílias — explica Ênio.
O coordenador avalia que os recursos da Defesa Civil são limitados, mas observa que o município recebe diversas doações em momentos de dificuldade. Para Ênio, o principal problema enfrentado pelo órgão é a rotatividade.
— De quatro em quatro anos, trocam os coordenadores porque muda o prefeito. Em nível nacional, a gente precisa fazer um projeto de lei para que o cargo de coordenador seja concursado. Eu sempre ajudei a Defesa Civil, mas não tinha o conhecimento de como fazer a papelada. O cara que entra tem que correr atrás — opina.
À espera do socorro federal
A Defesa Civil é lembrada especialmente em momentos de desastres repentinos, como enchentes, deslizamentos e grandes acidentes ambientais, mas também atua em fenômenos de longo prazo, como estiagens. É o caso de Bagé, cidade de 121,5 mil moradores que é tradicionalmente castigada pela falta de água.
No município, o coordenador da Defesa Civil, Everton Kaupe, também é secretário de Infraestrutura e Desenvolvimento Urbano. Ao lado dele, trabalham de seis a sete pessoas, quase todos voluntários. São pessoas que exercem outras funções públicas e não são remuneradas para atuar especificamente na Defesa Civil.
— Bagé é uma cidade tranquila, até por não ter rio. Tem cidades que precisam ter uma Defesa Civil mais formada — pondera Kaupe.
Em fevereiro, Bagé decretou situação de emergência e já teve o status reconhecido pelo governo federal, conforme Kaupe. O próximo passo é elaborar um plano orçamentário para providenciar caminhões-pipa e alimentos, por exemplo. O coordenador reconhece que o município depende da transferência de recursos da União e do Estado.
— A Defesa Civil está vinculada à Secretaria de Segurança. Tem algum recurso vinculado a ela, mas basicamente o suporte é do governo do Estado e do governo federal. Não tem como prever o incidente, a catástrofe. Por isso, a Defesa Civil trabalha para captar recurso — explica Kaupe.
A prefeitura de Bagé considera que a construção da Barragem de Arvorezinha deve resolver os problemas causados pela estiagem na cidade. A obra está em andamento e é executada pelo Exército.
Prejuízo econômico
Além dos riscos e do sofrimento imposto às famílias atingidas, os eventos climáticos também causam prejuízos econômicos. De acordo com relatório produzido pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), entre 1995 e 2019, o sul do Brasil registrou em danos materiais estimados em R$ 87,2 bilhões. Em todo o Brasil, o prejuízo é calculado em R$ 333,3 bilhões no mesmo período.
O levantamento também destaca que, entre 2013 e 2020, foram contabilizados 3.305 mil registros de decretação de situação de emergência e estado de calamidade pública na região sul, com 1.027 municípios afetados. As causas mais frequentes foram tempestades (31,1%), doenças infecciosas virais (22,2%) e estiagens (21,8%).