Ao longo dos últimos 30 anos, os gaúchos experimentaram na prática alguns dos efeitos mais danosos relacionados a mudanças climáticas. Ao longo desse período, em que temperaturas cada vez mais altas alimentam fenômenos severos, o Estado registrou 7.083 desastres naturais como secas, tempestades, ondas de frio ou calor extremo e inundações com base em notificações por município.
O trabalho Desastres Meteorológicos, Climatológicos e Hidrológicos: Os Casos da Região Sul do Brasil, apresentado em um encontro nacional de geografia neste ano, aponta para uma média de 236 notificações anuais desse tipo de evento em solo gaúcho, por município, entre 1991 e 2020. A análise dos pesquisadores Tainã Costa Peres, Karine Bastos Leal e Francisco Aquino, vinculados à UFRGS revela ainda que as secas e estiagens foram os eventos mais frequentes nesse intervalo.
Classificadas sob a denominação de “desastres climatológicos”, foram notificadas 3.760 vezes no período estudado. Logo em seguida, aparecem os fenômenos hidrológicos como inundações e enxurradas, e, por último, os meteorológicos (as tempestades e as temperaturas extremas).
Em comparação com os outros Estados do Sul, os gaúchos são os que mais sofrem com os dois extremos da umidade: registram a maior quantidade de relatos de estiagens, ao mesmo tempo em que são os mais afetados por inundações, alagamentos e enxurradas. Santa Catarina concentra a maior fatia de tempestades entre os sulistas. Os números foram compilados a partir do Atlas Brasileiro de Desastres Naturais (até 2012) e do Sistema Integrado de Informações de Desastres (de 2013 a 2020).
— O clima do Rio Grande do Sul mudou. Temos temperaturas mais altas com um pouco mais de umidade, embora as chuva sejam mais desequilibradas, concentradas em alguns períodos de maior intensidade. Como resultado, embora sempre tenhamos sofrido com esses desastres naturais, a tendência é de que fiquem ainda mais intensos — afirma o climatologista Francisco Eliseu Aquino.
Segundo um trabalho apresentado em 2019 pela geógrafa Maythe Fernanda Erns sob orientação de Aquino, apenas nas últimas quatro décadas a temperatura média subiu 1,07°C no Rio Grande do Sul. O aquecimento tende a amplificar um tipo especialmente ameaçador de tempestades que já castiga os gaúchos com os eventos de maior amplitude e duração em todas as Américas – os chamados complexos convectivos de mesoescala.
Embora o nome seja pouco difundido, esse tipo de temporal, na vida real, é bastante conhecido dos gaúchos. Caracterizado por nuvens pesadas, rápida formação e grande intensidade de chuva e vento, em média costuma provocar 13 desastres ao ano no Rio Grande do Sul. Na maior parte das vezes, ocorre a partir do final da tarde e se desenvolve sobretudo durante os meses mais quentes do ano.
Publicado em 2020 na revista científica Climate Research, um estudo aponta que esse tipo de tempestade, quando se forma na porção da América do Sul onde se encontra o Estado, costuma durar perto de seis horas a mais do que quando ocorre nos Estados Unidos (quase 16 horas aqui contra 10 horas lá, em média) e ter dimensão muito maior – 276 mil km² no sul do Brasil (o equivalente à área total do Rio Grande do Sul, de 281 mil km²) contra 164,6 mil km² em solo norte-americano.
— Estudamos vários anos dessas tempestades severas. As maiores, quando ocorrem na América do Sul, são sobre Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina — afirma Aquino, que assina o estudo sobre os complexos convectivos ao lado de Flávia Moraes, Thomas Mote, Joshua Durkee e Kyle Mattingly.
Uma das razões para isso é o fato de a região receber umidade de duas fontes diferentes: a trazida por jatos de vento da Amazônia e a que sopra do Atlântico. O aquecimento da atmosfera tende a favorecer eventos ainda mais danosos do que os já conhecidos.