A Operação Carmelina, da Polícia Federal (PF), foi deflagrada em 21 de fevereiro de 2014 com o objetivo de desarticular um esquema de suposto desvio de dinheiro de clientes de um escritório de advocacia de Passo Fundo. O alvo principal era o advogado Maurício Dal Agnol. Conforme as investigações da PF e posterior denúncia do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS), a banca comandada por ele ficava com parte do dinheiro de clientes em processos judiciais que discutiram ações da extinta Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), atualmente empresa de telefone OI.
Inicialmente, se falou em 30 mil clientes lesados em milhões de reais. Tanto o valor da dívida quanto o número de vítimas são incertos. Dal Agnol chegou a ser preso na época da operação, mas foi solto meses depois.
O advogado começou humilde, captando clientes que teriam dinheiro a receber de ações da CRT Estado afora, protocolando ele próprio petições em varas judiciais. Percorria o Estado inteiro. Por vezes, entrava em cartórios suado, carregando grandes pilhas de processos. Anos mais tarde, ficaria rico, montando um império. Segundo a PF, ele era proprietário de quase mil imóveis, alguns deles fora do Brasil, como um em Nova Iorque, nos Estados Unidos, avaliado em 2014 em R$ 14 milhões. Cerca de R$ 2,8 bilhões circularam entre 2011 e 2015 nas contas bancárias do advogado, segundo a PF.
De lá para cá, oito anos depois, como resposta à sociedade e às vítimas, pouca coisa avançou. O processo criminal principal, por exemplo, sequer foi sentenciado ainda. Ou seja, ainda é preciso uma decisão de 1º grau e aguardar julgamento de eventuais recursos em 2º grau e nos tribunais superiores para o trânsito em julgado. Na área cível, clientes do advogado estão morrendo sem ver a cor do dinheiro que teriam a receber. Além das ações individuais movidas pelas vítimas, algumas delas, transitadas em julgado, há duas ações movidas pelo MP-RS e pela Defensoria Pública de Estado. Bens e valores do advogado estão bloqueados nessas ações, o que, em alguns casos, impede que sejam destinados momentaneamente para pagamento das vítimas que já venceram seus processos contra Dal Agnol.
Numa decisão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado perdeu o direito de exercer a profissão. No entanto, mantém seu imponente escritório de advocacia com outros profissionais atuando.
Cobrança de impostos
Se por um lado as ações criminais e cíveis se arrastam, o que andou um pouco mais rápido e está na fase de leilão é a cobrança de impostos federais pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional. O juiz Ricardo Soriano Fay, da 1ª Vara Federal de Passo Fundo, marcou para 15 de março o primeiro leilão de bens do advogado. São imóveis que, somados, estão avaliados em R$ 64,7 milhões. Um segundo leilão está marcado para 24 de março caso algum bem não seja arrematado. Os leilões serão realizados apenas por meio eletrônico, por meio deste site.
O dinheiro arrecadado com as vendas será utilizado para quitação de impostos. Parte do será enviada para a Justiça Estadual para indenização das vítimas.
Morreu sem receber
A demora é tanta para receber os valores devidos que há autores de ações judiciais que já morreram. É o caso de Edsion Geriberto, 61 anos, que faleceu de câncer em 2018. A Maria Gorete da Costa Boeck, 60 anos, conta que o marido sofreu muito com a doença e que esse dinheiro poderia ter ajudado no tratamento.
— Teria nos ajudando muito com o problema enfrentado por ele. Nós sempre tivemos que recorrer ao SUS. Eu sofri com ele seis meses — lembra a aposentada, moradora de São Gabriel.
Conforme Maria, o marido recebeu uma quantia irrisória da ação judicial. Mais tarde, ficou sabendo que teria bem mais a receber.
— Eu enfrento uma infinidade de doenças. Sou usuária de muitos remédios para coração, pressão, artrite, artrose, coluna, reumatismo. Gasto cerca de R$ 700 por mês — conta Maria.
Mesmo passados oito anos, a aposentada acredita que possa ainda receber o dinheiro a que tem direito.
— A gente nunca deve perder a esperança, mas não é fácil. Tem horas que a gente se desilude — lamenta Maria, que tem dois filhos e três netos.
Zenaide Correa Francisco, 74 anos, é mais uma vítima. Diz que aguarda há cerca de 15 anos para receber a indenização, e que esse dinheiro fez falta ao londo dos anos.
— Eu estava com minha filha doente, com câncer. Ela não tinha condições financeiras e veio para minha casa, foi muito triste e difícil. Eu espero receber esse dinheiro, poque é tudo que eu tenho de esperança para ter uma vida melhor — relata a aposentada, que tem outros dois filhos e três netos.
— Se receber, quero ajudar a minha família — conclui.
Presidente da Associação de Vítimas de Maurício Dal Agnol, a advogada Ana Carolina Reschke não poupa críticas ao sistema de Justiça e a todos os envolvidos. Lamenta a morosidade dos processos.
— Fechamos oito anos sem expectativa de indenização dessas pessoas, embora o Maurício tenha patrimônio. Nossa sensação é de insegurança jurídica. A morosidade do Poder Judiciário e das instituições nos causou muita surpresa. Hoje, as dívidas do Maurício apuradas nos processos individuais chegam a R$ 400 milhões — destaca a advogada, incluindo nas críticas o Ministério Público e a Defensoria Pública.
Conforme a entidade, há hoje contabilizados pela Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul cerca de cinco mil processos de vítimas contra o Dal Agnol, sendo que 1,2 mil já tiveram o trânsito em julgado, ou seja, já terminaram e falta só o autor receber. O montante dessas ações giraria, segundo ela, em R$ 200 milhões.
— Agora os bens estão presos em ações do MP e da Defensoria — relata Ana Carolina.
Diante da repercussão e do número de vítimas, o Ministério Público decidiu incluir no fim de 2021 o caso no Núcleo Permanente de Incentivo à Autocomposição da instituição (Mediar-MP). Secretário-geral do MP-RS e coordenador desse núcleo, Ricardo Schinestsck Rodrigues, diz que houve um acordo em novembro de 2021 para reunir os bens e valores apreendidos em uma só ação.
— Para dentro da Ação Coletiva de Consumo e obedecer a satisfação dos créditos, de acordo com o quadro de credores. Estamos tentando fazer acordos para tentar antecipar os pagamentos aos clientes e satisfação das vítimas — explica Rodrigues
Sobre a demora do caso, atribui a uma série de recursos interpostos.
— Todas as decisões principais foram objeto de recursos aos tribunais superiores. É um processo complexo e tem, por natureza, tramitação mais demorada — pondera o promotor.
Contrapontos
A Defensoria Pública informa que não vai se manifestar neste momento sobre o caso.
GZH entrou em contato com o escritório do advogado Márcio Isfer Marcondes de Albuquerque, do Paraná, que defende Dal Agnol, mas, até o fechamento dessa reportagem, não obteve retorno. Também aguarda uma posição do Judiciário sobre as críticas à demora do processo.
Além disso, GZH entrou em contato com o Ministério Público Federal (MPF), já que uma ação por sonegação fiscal foi movida contra o advogado. A instituição deve ser manifestar nos próximos dias.