O terceiro e último depoimento do quarto dia do júri do caso Kiss foi o de uma sobrevivente que, como tantos outros que passaram pelo local, emocionou-se ao lembrar do incêndio e dos amigos que não sobreviveram. Cristiane dos Santos Clavé, 34 anos, prestou depoimento por cerca de uma hora e meia.
Ela contou que não pretendia ir à boate naquela noite, mas que foi convencida pelo amigo Leandro — cujo corpo foi encontrado mais tarde no banheiro da casa noturna. Respondendo a perguntas do juiz Orlando Faccini Neto, narrou o momento em que percebeu o incêndio e tentou sair.
— Um monte de gente achou que era briga. Quando olhei para o palco, um rapaz estava tentando apagar o fogo com extintor. (…) Parece que a fumaça foi na minha frente, porque era muito quente, como se fosse um vapor de panela.
De mãos dadas com uma outra jovem, Letícia - que também morreu -, Cristiane foi em busca da saída.
— Respirei fundo, fechei os olhos e fui com a mão na parede. Fui indo até encontrar a mesa, e, quando encontrei, sabia que estava do lado da porta. Parece que o ar quente empurrava a gente, além das pessoas. Quando consegui sair e passar pelo guarda-corpo, caí em cima de um capô de um táxi — relembra.
Já do lado de fora, Cristiane tentou encontrar o amigo Leandro, sem sucesso:
— Vi seis pessoas atiradas no estacionamento do Carrefour. Eu passava por cima dos corpos para procurar ele.
Na noite do incêndio, os filhos de Cristiane haviam ficado com o irmão. Emocionada, ela relatou aos jurados e demais presentes no plenário o momento em que os encontrou, aliviada por ter sobrevivido.
— Quando cheguei no portão de casa desabei, porque eu tinha voltado para os meus filhos. Enquanto eu estava lá, sabia que não podia perder minha bolsa porque tinha que avisar os meus filhos que eu estava bem. Depois fiquei 48 horas sem dormir e começou a aparecer os nomes das pessoas que iam identificando. Quinze vezes eu ia dizendo para o meu irmão "eu conheço", "eu conheço", "eu conheço" — contou ela.
Problemas de sinalização
Assim como outros sobreviventes que prestaram depoimento, Cristiane relatou que a boate ficou muito escura quando o incêndio começou. Assim, não era possível achar a saída.
— Não dava para enxergar. Eu saí porque eu sabia o caminho — afirmou.
Ela acredita que muitos tentaram sair e acabaram entrando no banheiro, já que ele ficava próximo da porta. Cristiane também reforçou o que outras testemunhas disseram ao afirmar que, em nenhum momento, foi avisado sobre o incêndio no microfone do palco da Kiss.
— Tenho certeza de que muita gente morreu sem saber o que estava acontecendo — relatou, confirmando que viu os fogos instalados no palco antes do show da banda Gurizada Fandangueira.
Com sequelas psicológicas e danos ao pulmão, Cristiane contou tomar cinco medicamentos e precisar de bombinha para asma. Questionada pelo Ministério Público sobre levar uma vida semelhante à anterior à tragédia, ela foi taxativa:
— Com certeza, não.
Moradora de Santa Maria e funcionária da prefeitura municipal, ela foi questionada por um dos advogados de Luciano Bonilha Leão, produtor de palco da banda Gurizada Fandangueira, se "descobriu como foi fornecido o alvará à Kiss".
— Sou agente administrativa, não investigadora — disse a sobrevivente.
O depoimento de Cristiane foi encerrado por volta das 19h. Neste domingo (5), o júri será retomado às 10h com previsão de dois depoimentos. Um deles é de Tiago Mutti, ex-dono da Kiss e testemunha da defesa de Mauro Hoffmann. O outro é Delvani Rosso, sobrevivente da tragédia.