O organizador de eventos Alexandre Marques é a primeira pessoa a depor, neste sábado (4), no quarto dia do julgamento que apura as responsabilidades pela tragédia na Kiss. Arrolado pela defesa do réu Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, Marques afirmou que desconhecia lei de Santa Maria que proibia o uso de espuma para isolamento acústico de casas noturnas e disse ter visto a utilização deste material em outros estabelecimentos.
A testemunha alegou também que, durante os shows das bandas que produzia, era comum o acionamento de artefatos pirotécnicos. Questionado pelo advogado Jader Marques, que defende Spohr, o organizador de eventos disse que nunca se preocupou com a utilização destes produtos e ressaltou que nunca houve orientação de órgãos públicos sobre estas questões.
— Isso era uma coisa nossa. Não era costumeiro solicitar às casas nem avisar as casas. Muita gente usava (fogos), em vários lugares. Era algo que deixava o show muito bonito. Então, não era costumeiro de perguntar.
A testemunha — que produzia outra banda que tocava na boate — também falou sobre a superlotação de casas noturnas. Marques afirmou não ter informações de que os donos da Kiss usassem essa prática apenas com o objetivo de aumentar os lucros.
— Para todos que produzem eventos, é sempre interessante o consumo, obviamente, mas se tu gerar um desconforto no teu público, ele não retorna. Então, eu não posso afirmar que isso era feito. Acredito que não. Não conheço locais que façam isso.
A testemunha afirmou que, em uma preparação de show na Kiss, envolvendo a banda que promovia, o réu Elissandro Spohr, sócio da boate, não autorizou que determinados fogos de artifício fossem utilizados. Isso foi antes da tragédia.
A advogada Tatiana Borsa, da defesa do réu Marcelo de Jesus dos Santos, fez questionamentos sobre quem é responsável pelo uso de fogos de artifício durante apresentações em shows. A testemunha informou como procedia nesse tipo de situação no seu estilo de trabalho:
— Eles não usam. Eu uso. A banda toca. Tudo que vem externo da banda eu que fazia na época — destacou Alexandre Marques.
Já a defesa de Luciano Augusto Bonilha Leão centralizou as perguntas no âmbito dos tipos de artefatos pirotécnicos e como eles são adquiridos. A testemunha afirmou que, ao vender fogos de artifício fora da caixa, o vendedor pode suprimir informações disponíveis aos clientes sobre o uso do produto, uma das teses da defesa de Bonilha Leão.
O advogado Jean Severo afirmou que a loja em Santa Maria onde a banda Gurizada Fandangueira comprou fogos "vendia até dinamite". Isso gerou início de discussão na sessão, mas o juiz pediu mais uma vez calma.
No início da fase de perguntas da acusação, a promotora de Justiça Lúcia Helena Callegari fez questionamentos sobre os materiais do ambiente interno da boate. A testemunha afirmou que não tem muitos detalhes nesse sentido. O período de fala da promotora gerou alguns embates entre acusação e defesa. Em certo momento, o uso de cartaz da banda Gurizada Fandangueira gerou novo impasse.
A advogada Tatiana Borsa, do réu Marcelo de Jesus dos Santos, disse que o cartaz é do ano 2000 e mostra ex-integrantes que já morreram. A promotora afirmou que o material estava nos autos e que a banda não existia em 2000.
"Mensagem equivocada"
Antes da pausa para o almoço, a promotora de Justiça Lúcia Helena Callegari questionou se a testemunha entende que ainda é válido usar esse tipo de equipamento em shows e se ele utilizaria se ainda trabalhasse no meio.
— Se eu ainda estivesse na noite, provavelmente estaria usando — respondeu a testemunha após insistência da promotora na pergunta.
Após a pausa para o almoço, a promotora falou sobre esse ponto:
— Acho que o que era de importante já foi trazido. Acho que consegui transmitir uma coisa que eu objetivava trazer nesse depoimento. Que essa testemunha veio aqui para trazer a mensagem equivocada no meu entender. A mensagem de que as tragédias podem acontecer de novo se a gente tiver pessoas que continuem acreditando que têm de fazer shows dessa forma.
Para este sábado, também está confirmado o depoimento de um sobrevivente, que teve queimaduras pelo corpo e problemas crônicos de respiração. Não se descarta que mais depoentes sejam confirmados ao longo do dia.
O juiz Orlando Faccini Neto acredita que o júri possa terminar por volta das 18h. Nos três primeiros dias, foram ouvidas dez pessoas. Contando com os dois depoentes deste sábado, faltam mais 19 pessoas, sendo seis vítimas e 13 testemunhas. Defesa e acusação acreditam que, com a desistência de quatro depoentes de ambas as partes, o julgamento possa se estender por mais 12 dias.