![Lauro Alves / Agencia RBS Lauro Alves / Agencia RBS](https://www.rbsdirect.com.br/filestore/7/2/2/3/2/5/1_dee2545002ed764/1523227_f195ca8624479e8.jpg?w=700)
De 2013 a 2016, Maike Adriel dos Santos, 29 anos, não conseguiu dormir com luz apagada. A escuridão o deixava agoniado. Lembrava os momentos de pavor vividos dentro da boate Kiss, em Santa Maria, onde quase morreu sufocado e queimado. As marcas da tragédia estão impressas na sua pele: cicatrizes de queimaduras na mão e perna do lado esquerdo. As dificuldades para respirar perduraram por anos.
— A fumaça era quente. Meus pulmões ficaram impregnados de fumaça. Fiquei uma semana em coma e um mês internado. Hoje estou melhor, mas ainda em recuperação — descreve Maike, que cursava Desenho Industrial na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) na época do incêndio, em 2013, e concluiu o curso ainda em meio ao tratamento.
Naquele 27 de janeiro de 2013, Maike foi à Kiss contrariado. É roqueiro e o repertório daquela noite na boate, com predominância do sertanejo universitário, não o agradava. Estava também com pouco dinheiro, mas aceitou o convite de três amigos. Um celebrava aniversário. Dos quatro, só Maike sobreviveu.
Ele não lembra detalhes, mas recorda que ouviu alguém gritar “incêndio” e a fumaça logo se espalhou pelo ambiente. Achou que fosse gelo seco, um produto muito usado em danceterias. Só percebeu o engano quando foi atropelado pela massa de frequentadores da boate, aos gritos de “sai, sai!” e “fogo!”.
— A fumaça ardia, queimava — conta o jovem.
Maike estava de mãos dadas com uma amiga, mas se soltaram em meio aos empurrões de multidão. Soube depois que ela morreu. O desenhista recorda de ter enxergado uma luz (“seria a saída?”) e desmaiado a seguir. Não lembra como saiu da boate. Sabe que acordou sentado na calçada, com vontade de vomitar. Foi levado a uma ambulância e, dali, para um hospital. Depois do coma induzido (para melhorar a condição dos pulmões), passou semanas internado, inclusive para tratar queimaduras.
Após sair do hospital, Maike desenvolveu alguns traumas. Além do medo do escuro, tinha receio de multidão. Quando ia de ônibus para a faculdade, evitava os pontos de maior aglomeração. Depois, os receios foram passando e ele até voltou a frequentar bares, mas não boates.
Ouça trecho da entrevista em que Maike relembra do incêndio:
Avaliação
Integrante ativo da Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria, Maike diz que espera um julgamento justo a partir de 1º de dezembro, mas acha que “falta gente no banco dos réus”.
Ele ressalta que o inquérito policial apontou servidores da prefeitura e alguns bombeiros, que faziam vistoria, como responsáveis pelo funcionamento da boate em condições de risco.
— Alguém autorizou a boate a funcionar. É preciso dar uma resposta para tantos sonhos que se perderam na fumaça daquele incêndio — aponta o jovem.
Maike transformou o trauma em objeto de estudo. O seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Desenho Industrial avalia as condições de percepção de sinalização de segurança em ambientes edificados. No caso específico, o da boate Kiss. O principal objetivo foi avaliar a eficiência da sinalização em caso de urgência, considerando as recomendações das normas nacionais vigentes.
Ouviu 11 sobreviventes, como ele. Descreveu sua experiência pessoal. O resultado? Falhas em cima de falhas apontadas pelo estudante, a começar pela falta de saídas de emergência naquela danceteria. O trabalho foi aprovado com louvor.