O segundo depoimento do quarto dia do júri do caso do incêndio na boate Kiss foi de Maike dos Santos, de 29 anos. Sobrevivente, ele não era frequentador da casa noturna - o único dia em que esteve lá foi em 27 de janeiro de 2013 para o aniversário da amiga Andrielle, que morreu na tragédia.
Ao responder a perguntas do juiz Orlando Faccini Neto, Maike contou que a Kiss estava lotada no dia do incêndio, o que dificultava o deslocamento lá dentro. O grupo de amigos havia se dividido no momento em que o fogo começou, provocado pelo encontro de um artefato pirotécnico com a espuma acústica que revestia a boate. Ele demorou a perceber o início do incêndio, pois estava do lado oposto do palco:
— Lembro que olhei pra cima e vi uma fumaça que confundi com gelo seco. Aí pensei que estava longe do palco pra gelo seco chegar até lá. Nesse mesmo momento, ouvi um “sai, sai, sai" das pessoas em volta e alguém falou: “é fogo”.
O sobrevivente contou que os olhos ardiam e que ficou difícil de enxergar dentro da boate. Assim, foi tentando encontrar a saída junto com a multidão, pois estava “sem referencial de visão”. Ele não sabe como saiu da Kiss:
— Creio que eu desmaiei e alguém posteriormente me tirou. Ou entrei em choque. Teve um momento em que apaguei dentro da boate.
Maike precisou ficar hospitalizado e teve queimaduras nas mãos. Formado em Desenho Industrial, ele relatou ter tido medo de não conseguir seguir com a faculdade por conta da dificuldade para o desenho e da falta de memória.
— Tive preocupação em perder o movimento da mão por conta da queimadura. E a falta de memória. Enquanto uma pessoa estudava uma vez, eu tinha que estudar quatro. Não foi só a parte física, foi toda a parte psicológica que acarretou em dificuldades para a minha formação.
Maike escreveu seu TCC sobre a boate Kiss. Ao responder às perguntas da defesa, ele disse ter concluído que um reforço na sinalização ou portas de saída teriam dado outro desfecho:
— Concluí que se tivesse mais uma porta no lado oposto, e se tivesse sinalização de saída mais adequada, ou não teria a tragédia ou teria amenizado. Minha conclusão foi que facilitaria ter outra (porta), mas o local seria determinado por engenheiro ou arquiteto.
Em determinado momento do depoimento, foi mostrada uma foto de Maike e de um grupo de amigas que haviam ido à boate. Como várias morreram, a exibição da foto causou comoção entre os familiares na plateia.
Questionado sobre se em algum momento recebeu algum tipo de ajuda do município ou Estado, ou algum pedido de desculpas, Maike disse que não.
— Nenhum pedido de desculpa, abraço. Nunca. O que vi foi mais cinismo mesmo. (…) Foi nós por nós, familiar por familiar.