O sétimo dia de júri do caso Kiss, nesta terça-feira (7), começou com o depoimento emocionado de Venâncio Anschau, ex-operador de áudio da banda Gurizada Fandangueira, que confirmou que desligou o áudio dos microfones na noite da tragédia — impedindo que o incêndio fosse anunciado. Ele disse ainda que a banda "frequentemente" usava artefatos pirotécnicos. Já Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros de Santa Maria, afirmou que a boate estava em condição regular naquele 27 de janeiro de 2013.
O dia também teve relato da arquiteta Nivia Braido, e foi finalizado com depoimento de Nilvo Dornelles, que já foi proprietário de uma casa de festas em Santa Maria. Durante a fala dele, um um bate-boca acalorado entre o advogado Jean Severo, da bancada do réu Luciano Bonilha Leão, e o assistente de acusação Pedro Barcelos se destacou.
Primeiro a falar nesta terça-feira, o ex-operador de áudio calcula que fez sonorização de mais de 50 shows da banda e relembrou em detalhes a noite do incêndio na boate. Venâncio contou, aos prantos, que desligou a mesa de som, temendo que as chamas alcançassem os equipamentos eletrônicos. Com isso, o público da boate não entendeu que a interrupção da música era por um incêndio, acredita ele.
— Desabilitei o áudio dos microfones. Eu errei, eu errei — exclamou, num choro convulsivo, que fez o juiz lhe oferecer água para se acalmar.
Ele relatou momentos de pânico na boate e que nenhuma janela foi aberta para sair a fumaça do estabelecimento, mas que ouviu barulhos de coisas sendo quebradas. Lembrou também que ficou internado por cinco dias por causa da fumaça, mas não sofreu queimaduras.
Na sequência, foi a vez do depoimento da arquiteta, sondada por Elissandro Spohr, o Kiko, para mudanças estéticas na casa noturna. Ao júri, Nivia contou que o sócio da Kiss admitiu fazer obra sem responsável técnico:
— Fui procurada pelo Kiko através de uma rede social. Ele disse que queria trocar o papel de parede da boate e que estava fazendo uma reforma no local por conta própria. Ele disse que já tinha gastado R$ 130 mil em modificações internas.
Embora não tenham chegado a um acordo, a arquiteta afirmou que algumas de suas recomendações foram implementadas na boate e que a espuma não era uma delas. Ela também disse que shows pirotécnicos eram comuns na Kiss.
O terceiro depoente, Gerson da Rosa Pereira, que chefiava o Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros de Santa Maria em 2013, disse que o alvará para funcionamento da boate estava em processo de renovação, o que permitia que o local continuasse funcionando. Ele pontuou que a fiscalização sobre os revestimentos, como espuma, não era responsabilidade dos bombeiros, segundo a legislação da época.
Pereira chorou em alguns momentos durante o depoimento. A primeira delas, quando lembrou das filhas, que tinham cogitado ir à festa da Kiss na noite do incêndio. As meninas, adolescentes, eram amigas de muitas das vítimas, mas acabaram desistindo por causa de outros compromissos:
— Eu acreditava que a boate tinha segurança porque ela tinha alvará.
O major chegou a ser condenado a seis meses de prisão, em 2015, por fraude processual em relação a documentos da boate. A Justiça entendeu que ele acrescentou documentos ao Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) da boate Kiss, que era precário. Dias depois da tragédia, ainda em janeiro de 2013, conforme a denúncia do Ministério Público, Pereira teria acrescentado o croqui e o cálculo populacional da boate no documento que se encontrava no 4º CRB. Isso teria induzido a polícia e a Justiça a acharem que aquela documentação fazia parte do PPCI referente à boate Kiss.
— Imaginaram que eu tinha colocado isso no inquérito de forma a induzir algo, forjei documento. Jamais defendemos alguém errado. Aí a imagem que venderam da gente virou de bandido. Substituiu aquela outra, emblemática, de quem salva vidas — disse aos prantos.
O julgamento será retomado nesta quarta-feira (8), às 9h, com o depoimento do ex-prefeito de Santa Maria Cezar Schirmer, pela manhã, e, à tarde, será ouvido o promotor de Justiça Ricardo Lozza.
Bate-boca e tensão
O sétimo dia do júri terminou com forte bate-boca entre o advogado Jean Severo, da bancada do réu Luciano Bonilha Leão, e o assistente de acusação Pedro Barcelos. Houve tensão, troca de insultos, e familiares de vítimas que acompanham o julgamento no Foro Central I, em Porto Alegre, reagiram com indignação. Uma pessoa teve um breve mal-estar e, contrariada, foi retirada do plenário.
A discussão ocorreu no depoimento da testemunha Nilvo Dornelles, que já foi proprietário de uma casa de festas em Santa Maria, chamada Ballare.
Severo fazia perguntas ao depoente, arrolado pela defesa do réu Marcelo de Jesus dos Santos, e pediu que ele explicasse o que faz um roadie. Foi uma referência de Severo ao seu cliente, Bonilha, que era produtor de palco da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava na Kiss na madrugada da tragédia, em 27 de janeiro de 2013.
— Esse menino teria sido substituído por outro roadie qualquer. Ele devia ganhar R$ 50 para fazer isso aí. Me perdoem as famílias, mas é verdade — afirmou Dornelles, contextualizando que roadie é uma função secundária que trabalha como auxiliar dos músicos.
Na sequência, Severo passou a responsabilizar pela tragédia a loja de fogos de artifício, em Santa Maria, em que Bonilha adquiriu o artefato que iniciou o incêndio na Kiss. Houve uma reação do assistente de acusação Pedro Barcelos, descontente com as posturas. Teve início então um tenso bate-boca entre Severo e Barcelos. Na plateia, um familiar de vítima da Kiss deixou o plenário e bradou:
— Foi a loja que acendeu o artefato em um palco fechado?
O juiz Orlando Faccini Neto tomou a palavra e passou a serenar os ânimos.
Antes da confusão, a testemunha, Nilvo Dornelles, disse que era de conhecimento geral nas casas de festas de Santa Maria que a banda Gurizada Fandangueira se apresentava com fogos de artifício. Disse, inclusive, que fizeram isso na Ballare, seu empreendimento.
— Todo mundo sabia — afirmou.