O habeas corpus preventivo que livrou os quatro condenados da boate Kiss de iniciarem o cumprimento das penas em regime fechado ainda nesta sexta-feira (10), logo após o júri por decisão do juiz Orlando Faccini Neto, foi emitido às 17h49min, quando o magistrado já estava lendo em plenário a sua sentença.
O desembargador Manuel José Martinez Lucas, da 1ª Câmara Criminal, atendeu a pedido da defesa de Elissandro Spohr e justificou: "Tenho decidido que, na hipótese em que o réu responde a todo o processo em liberdade, às vezes, por vários anos, a condenação do Tribunal do Júri não justifica, por si só, a decretação da prisão", escreveu o magistrado.
Embora o expediente tenha sido apresentado em favor de Spohr, Lucas estendeu automaticamente os seus efeitos para os outros três condenados: Mauro Hoffmann, Luciano Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos.
O magistrado reconheceu que, em dezembro de 2019, o chamado pacote anticrime introduziu na legislação a competência para que o presidente do Tribunal do Júri possa determinar "a execução provisória das penas" em casos de condenação com penalidade igual ou superior a 15 anos de reclusão.
Todos os réus da Kiss receberam penas maiores do que o previsto na lei, variando entre 18 anos de reclusão e 22 anos e seis meses de reclusão. Em princípio, eles estariam aptos a iniciar a execução das penas, conforme determinou Faccini Neto, baseado na norma legal.
No entanto, o magistrado citou uma jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) para conceder a medida de relaxamento da reclusão.
"O colendo STJ, através das 5ª e 6ª turmas, as duas que detém competência para a matéria criminal, tem entendimento pacífico de que, na hipótese em tela é descabida a execução provisória da sentença condenatória pelo Tribunal do Júri", despachou o desembargador.
Ele salientou que esse entendimento "se mantém" mesmo após a nova legislação permitir a execução de penas de condenados como os da Kiss. A partir de agora, o habeas corpus preventivo concedido pelo desembargador Lucas, relator do caso, terá de percorrer um trâmite legal até chegar à decisão final.
A medida foi de caráter liminar e monocrática, ou seja, algo temporário e que foi decidido por apenas um magistrado. O advogado Ezequiel Vetoretti, com experiência de atuação em júri, explica que o habeas corpus será remetido ao setor do Ministério Público que atua na segunda instância jurisdicional, a Procuradoria de Recursos. Esse núcleo do Ministério Público terá a atribuição de atuar junto à 1ª Câmara Criminal, fazendo o envio de um parecer sobre a liminar em favor dos condenados e expondo suas razões em contradita, no sentido de manter a ordem de execução das penas em regime fechado.
Quando o parecer da Procuradoria de Recursos aportar na 1ª Câmara Criminal, ele deverá ser colocado em votação na sessão seguinte deste colegiado. Nesta etapa, os três desembargadores que compõem essa turma irão votar.
O advogado Jader Marques, que obteve a medida de relaxamento, não teceu comentários. A promotora Lúcia Callegari, que representou o Ministério Público no júri, criticou o habeas corpus e avaliou que ele é revelador da conduta dos antes acusados e, agora, condenados.
— É fugir das responsabilidades de novo. Nesse julgamento, se falou muito em responsabilidade, em ter que assumir. O primeiro passo para assumir era sair daqui, hoje, já cumprindo a pena. É uma característica dos acusados. Sempre querendo adiar, transferir e empurrar (a responsabilidade) para os outros — afirmou a promotora.