
O primeiro advogado de defesa a se manifestar nos debates do júri da boate Kiss foi Jader Marques, que lidera a defesa do réu Elissandro Spohr, o Kiko, um dos sócios do estabelecimento em que morreram 242 pessoas em Santa Maria.
As defesas dos quatro réus tiveram duas horas e meia para apresentar os argumentos, o que representou 37,5 minutos para cada um dos acusados. Marques refutou a tese de que seu cliente seja "ganancioso", o que ele apontou ter sido repetido exaustivamente no júri pela acusação do Ministério Público.
O defensor do proprietário da Kiss defendeu a desclassificação do caso da condição de dolo eventual, quando assume-se o risco de matar, o que acarreta penas mais pesadas.
— Quando eu falo em ausência de dolo eventual, eu estou dizendo que ele não assumiu o risco de produzir o resultado. E não aceitava esse resultado — asseverou Marques, indicando que se tratou de caso acidental, incêndio seguido de mortes.
O advogado pediu que seu cliente seja julgado por crime culposo, sem intenção, o que redunda em penas menores.
— Não quero (absolvição). Meu pedido é de desclassificação (do dolo eventual) — pleiteou.
O advogado ainda reforçou a tese de que a Kiss estava com as documentações em dia, seja perante o Corpo de Bombeiros, a prefeitura de Santa Maria e o Ministério Público, que tinha finalizado um termo de ajustamento de conduta (TAC) com a Kiss para conter a poluição sonora. A exposição foi de que, se estava com os papeis e fiscalizações em dia, o seu cliente não assumiu nenhuma situação de risco.
— Eu acuso o Estado e o município como responsáveis — afirmou.
Abordou com ênfase a questão da lotação da casa de festas.
— É uma mentira dizer que a boate recebia, naquele período, mais de 800 pessoas de uma vez só — afirmou.
Marques disse que a maneira correta de determinar o público do local no dia da tragédia era "contar as comandas". Ele defende que isso, considerando o giro de público ao longo da noite e os frequentadores que entram e os que saem, comprovaria que não havia superlotação.
Explicou que a barra metálica na portaria foi colocada a pedido de seguranças da casa pela organização e por receio de brigas e ingresso de pessoas com armas.
— O doutor Lozza (promotor do MP que atuou junto à Kiss na poluição sonora) disse que a barra não disse a ele nada (em relação a risco). Se não diz nada ao promotor, por que deveria dizer algo ao Kiko? — argumentou.
Sobre o exemplo usado no júri de dirigir um carro de forma imprudente, podendo causar um acidente com morte e classificação como dolo eventual, Marques afirma que se trata de uma situação em que o risco pode ser visualizado e é amplamente conhecido. Na Kiss, defendeu, havia imprevisibilidade.
— Queimou tudo e os amigos dele estavam lá dentro. E ele não conseguia tirar. Será que isso é alguém que olha e diz: "Dane-se? Tudo bem, eu não me importo?" O meu pedido é que não determinem a condenação dessas pessoas por dolo eventual — afirmou Marques.
Ele pediu ainda que Mauro Hoffmann, sócio de Kiko na boate, não seja condenado.
— O raciocínio de que eles sabiam o que estavam fazendo é absurdo. Eles não tinham consciência — afirma Marques.
Ele reforçou que a esposa de Kiko estava junto no local, grávida, o que indicaria que ele não aceitava nenhum resultado trágico, considerando que atingia sua própria família.