O segundo depoimento mais esperado do oitavo dia de júri dos acusados pelo incêndio da boate Kiss foi o do promotor de Justiça Ricardo Lozza. Ele é o responsável pelo inquérito civil que estabeleceu um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para restringir a poluição sonora da Kiss, alvo de reclamações de vizinhos da casa noturna em Santa Maria. A danceteria incendiou em 27 de janeiro de 2013, matando 242 pessoas.
Advogados de defesa dos quatro acusados pelo incêndio, sobretudo os defensores do réu Elissandro Spohr, dizem que a danceteria só funcionava porque Lozza permitiu. Em seu depoimento, o promotor procurou desqualificar essa afirmativa. O TAC assinado entre o promotor e a Kiss, no final de 2011, definia que a boate contrataria um engenheiro que seria responsável por fazer um projeto técnico de obra de isolamento acústico. O documento do engenheiro Miguel Pedroso, no memorial descritivo, determina a troca do palco de lugar, construção de paredes em concreto e colocação de gesso no forro da pista de dança, com preenchimento de lã de vidro. Não há nenhuma menção à colocação de espuma na boate, composto que pegou fogo no dia da tragédia.
Conforme o promotor, o acordo que buscava reduzir os ruídos da Kiss foi firmado mais de um ano antes da tragédia. Ou seja, anterior aos fatos que levaram ao incêndio. Lozza também afirmou ter ouvido três "grandes inverdades" a respeito da boate.
A primeira: a espuma que queimou fazia parte do acordo do TAC.
— É uma inverdade do tamanho do universo. Não se fala em espuma naquele documento.
A segunda: o promotor esteve dentro da boate Kiss. Lozza diz que isso é mentira. Ele narrou, no depoimento, que as obras do isolamento acústico originadas no TAC foram fiscalizadas por servidores do Ministério Público e pelo engenheiro Miguel Pedroso, responsável técnico pelas intervenções, acompanhados por Spohr, sócio da Kiss.
A terceira inverdade, segundo Lozza, é o questionamento sobre o motivo pelo qual o MP não fechou a boate.
— Não fechei porque não sou autoridade administrativa. Eu não tinha esse poder. Quem tem poder de polícia para fechar uma boate é a prefeitura, a municipalidade.
Lozza ressaltou, em seu depoimento, que “todo mundo conhece esse inquérito civil, não quer dizer que as pessoas o tenham lido”. Ele também negou ter dito que, se soubesse das condições pré-incêndio, teria fechado a boate.
O promotor afirmou que nunca conversou sobre o TAC com o réu Mauro Hoffmann, também sócio da Kiss. Ele disse desconhecer, à época, a presença de Hoffmann como um dos proprietários da casa de festas.
Lozza é a última testemunha a prestar depoimento no júri da Kiss. Ele foi arrolado pela defesa de Spohr, que buscou expandir as responsabilidades pelo sinistro a representantes do poder público, para além dos quatro réus.
Depois da manifestação de Lozza, foi encerrada a fase de instrução do júri. A etapa seguinte é o depoimento dos réus Spohr, Hoffmann e Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, ambos da banda Gurizada Fandangueira.