Um forte bate-boca entre o advogado Jean Severo, da bancada do réu Luciano Bonilha Leão, e o assistente de acusação Pedro Barcelos marcou o último depoimento do sétimo dia do júri da boate Kiss.
Houve tensão, troca de insultos e familiares de vítimas que acompanham o julgamento no Foro Central I, em Porto Alegre, reagiram com indignação. Pelo menos uma pessoa teve um breve mal-estar e, contrariada, foi retirada do plenário.
A discussão ocorreu no depoimento da testemunha Nilvo Dornelles, que já foi proprietário de uma casa de festas em Santa Maria chamada Ballare.
Severo fazia perguntas ao depoente, arrolado pela defesa do réu Marcelo de Jesus dos Santos, e pediu que ele explicasse o que faz um roadie. Foi uma referência de Severo ao seu cliente, Bonilha, que era produtor de palco da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava na Kiss na madrugada da tragédia, em 27 de janeiro de 2013.
Dornelles afirmou que sentia “pena” de Bonilha Leão, uma pessoa que ele classificou como simples.
— Esse menino teria sido substituído por outro roadie qualquer. Ele devia ganhar R$ 50 para fazer isso aí. Me perdoem as famílias, mas é verdade — afirmou Dornelles, contextualizando que roadie é uma função secundária que trabalha como auxiliar dos músicos.
Na sequência, Severo passou a responsabilizar pela tragédia a loja de fogos de artifício, em Santa Maria, em que Bonilha adquiriu o artefato que iniciou o incêndio na Kiss. Apontou que o estabelecimento não orientava sobre uso das pirotecnias e que vendia de forma supostamente irregular. Houve uma reação do assistente de acusação Pedro Barcelos, descontente com as posturas. Teve início um tenso bate-boca entre Severo e Barcelos. Na plateia, um familiar de vítima da Kiss deixou o plenário e bradou:
— Foi a loja que acendeu o artefato em um palco fechado?
Outro familiar que acompanhava o júri teve um princípio de mal-estar, foi acalmado por outras pessoas e, em seguida, retirado do plenário. Enquanto isso, a gritaria prosseguia entre as partes. Severo exigia, inflamado, o direito de exercer a defesa do seu cliente. Afirmava que não abriria mão do seu modo de atuar e asseverava que faria o que julgasse necessário por seu cliente, o qual declarou “inocente”.
No meio do entrevero, o promotor David Medina da Silva, do Ministério Público, dirigiu-se a Severo com ironia:
— Tome sua medicação.
O juiz Orlando Faccini Neto tomou a palavra e passou a serenar os ânimos. Afirmou que era importante não descambar ao descontrole. O magistrado afirmou que respeita e entende como legítima a atuação “aguerrida” de Severo, mas pediu que ele mantivesse a tranquilidade. Também chamou a atenção de Barcelos, que protagonizou o bate-boca mas, minutos antes, em um intervalo do júri, estava em bate-papo descontraído com toda a bancada de Severo. Orlando declarou que não embarcaria em “jogo para a torcida” e que o julgamento era técnico.
Antes da confusão, a testemunha, Nilvo Dornelles, disse que era de conhecimento geral nas casas de festas de Santa Maria que a banda Gurizada Fandangueira se apresentava com fogos de artifício. Disse, inclusive, que fizeram isso na Ballare, seu empreendimento.
— Todo mundo sabia — afirmou.
A Ballare e a Kiss eram concorrentes e disputavam o mesmo público jovem em Santa Maria. Dornelles afirmou que, em tamanho, as casas eram de proporções semelhantes. Mas, em questão de “sofisticação”, a Kiss estava à frente. Ele disse que chegou a colocar mais de 1,2 mil pessoas na Ballare. Também declarou que era comum o uso de espuma nas boates da cidade como forma de tentar conter ruídos.
Dornelles ainda contou que Mauro Hoffmann, réu e sócio da Kiss, chegou a tentar comprar dele a Ballare.
— Eu queria vender. Ele (Hoffmann) tentou um mês antes (de entrar na Kiss) comprar a minha. O Mauro queria comprar metade e que eu ficasse tocando. Eu queria me livrar — contou Dornelles, explicando o motivo de o negócio não ter sido fechado.
Tempos depois, Hoffmann acabou tornando-se sócio de Elissandro Callegaro Spohr na Kiss.