Desde o dia 28 de agosto, pelo menos 19 brasileiros estão desaparecidos no mar, depois que uma embarcação clandestina naufragou na costa da Guiana Francesa, ao norte do Estado do Amapá. A canoa levava 17 homens e sete mulheres que pretendiam conseguir trabalho em um garimpo ilegal no território vizinho.
Quatro sobreviventes e um corpo foram resgatados até as buscas serem interrompidas. Passados 12 dias do naufrágio, ainda não há uma lista oficial de mortos ou desaparecidos, e parentes criticam o descaso das autoridades.
Conforme a Polícia Federal do Amapá, a embarcação partiu de Oiapoque, no extremo norte do Estado, com destino a Caiena e Kourou, no departamento ultramarino da França. Os brasileiros seguiam em busca de trabalho em um garimpo.
Pelo o que já se apurou, a canoa tinha capacidade para 10 pessoas e saiu superlotada. Além dos passageiros, o barco levava três tripulantes. Antes de chegar ao Oceano Atlântico, um dos pilotos teria feito uma parada em Vila Vitória, distrito de Oiapoque, onde mais cinco pessoas embarcaram. Havia ainda 700 quilos de carga no barco.
A presidente da Comissão de Relações Exteriores da Assembleia Legislativa do Amapá, deputada Cristina Almeida (PSB), informou ter sido criado um comitê com a Secretaria de Inclusão e Mobilização Social do Estado para ajudar os familiares de brasileiros desaparecidos no naufrágio.
— Até o momento foram encontradas quatro pessoas vivas, sendo três homens e uma mulher. Dois homens, ao serem resgatados, conseguiram fugir antes de serem identificados. Na lista de sobreviventes, temos os nomes de Maria Elinete Corrêa Costa, natural do Maranhão, e Ronaldo Rodrigues Mota, do Pará — contou.
Segundo ela, apesar de ter acontecido no dia 28, somente no dia 31 de agosto as autoridades brasileiras e francesas tiveram conhecimento do naufrágio, que aconteceu na foz do Rio Aprouague, no cabo Pointe Béhague, após encontrar uma das pessoas. Além dos quatro sobreviventes, as autoridades francesas encontraram três corpos no oceano.
— Um corpo já estava em decomposição e foi para análise, porque estão supondo que não seja de vítima do naufrágio. Dos outros dois, ainda esperamos informações que serão repassadas pela polícia nacional francesa à Polícia Federal do Brasil — disse.
À deriva
Moradora de Macapá, a dona de casa Lana Santos se desespera com a falta de notícias da filha, Ellen Pantoja dos Santos, que estava no barco.
— Já fui na Polícia Federal, no quiosque da fronteira, na polícia da Guiana Francesa e não há informação nenhuma. O governo não está fazendo nada por nós, estamos com as mãos atadas — disse.
Segundo ela, as autoridades francesas interromperam as buscas após três dias. Voluntários de Oiapoque e de Saint-George (Guiana) fizeram as buscas por mais seis dias e pararam por falta de combustível e alimentação. Foram eles que encontraram um dos corpos.
Lana conta que conversou com a única mulher sobrevivente, Maria Elinete, conhecida como Neta.
— Ela contou que minha filha estava com ela e outra mulher, à deriva no mar, agarradas a um corote (pequeno barril de madeira). Ficaram três dias e duas noites assim, sendo jogadas pelas ondas. A mulher estava sem colete e se desgarrou, mas a minha filha continuou com ela, as duas com sede, com fome. Não tinha água potável. Ela dizia para minha filha não engolir água do mar.
Lana teve a conversa com a sobrevivente em um hospital de Caiena.
— Eu já a conhecia, minha filha embarcou com ela. Iriam arriscar lá no garimpo ou pegar um serviço em Caiena. Minha filha estava debilitada, com o rosto machucado, tinha tirado quase toda a roupa porque estava pesando muito. No fim, veio uma onda grande e separou as duas. Ela não conseguiu ver mais minha filha. Eu preciso saber o que aconteceu. Ela estava de colete, quem sabe? Só que o governo do Amapá não está fazendo nada, a Polícia Federal está calada. Não temos mais informações.
Entre os desaparecidos estão Carlos Adriano Almeida, 22 anos, e a mulher dele, Karine Oliveira Soares, de 18. A irmã de Karine, Géssica Oliveira Soares, 22, e a mãe delas, Geane Oliveira, 43 anos, também embarcaram na canoa. A mãe de Carlos, Jonilde Almeida, disse que o filho fazia a viagem contra sua vontade. Ele tentaria emprego em um garimpo do lado francês do Rio Oiapoque. Também havia embarcado Maria da Conceição Silva Santos, 58 anos, nascida no Maranhão e que vivia em Roraima. Nos últimos 20 anos, ela trabalhou em garimpos na região.
Outras pessoas que estavam no barco, segundo informaram as famílias, são Raimundo de Souza Melo, 44 anos, e Ingridh de Souza Pereira, 39. Nesta quinta-feira (9) a Polícia Federal começa a receber familiares dos desaparecidos para coleta de material genético na superintendência de Macapá e na delegacia federal de Oiapoque. As amostras serão enviadas ao governo da Guiana Francesa para comparação com o material colhido dos corpos. A PF abriu inquérito para apurar o naufrágio. O Ministério Público de Caiena também apura o caso.
De acordo com a deputada Cristina, a maioria dos brasileiros era residente no Amapá, embora procedessem de outros Estados. Ela destacou a preocupação com a entrada ilegal de brasileiros na Guiana Francesa.
— Na semana passada, dialogamos bastante sobre essa situação e decidimos lançar em novembro a campanha Brasileiro Legal, com o objetivo de conscientizar as pessoas a não atravessarem a fronteira de forma ilegal. O passaporte se tira muito rápido, mas o visto é, sim, um problema. Mas é preciso compreender que essa relação com o país vizinho precisa ser obedecida — disse.
A reportagem entrou em contato com a Marinha do Brasil, pedindo informações sobre o naufrágio e as buscas. Também pediu ao governo do Amapá e ao Consulado do Brasil em Caiena mais informações sobre os desaparecidos e sobre o apoio às famílias, mas ainda não recebeu os retornos.