O maior processo criminal da história contemporânea da França começou nesta quarta-feira (8) com o julgamento de supostos autores e cúmplices dos atentados reivindicados pelo Estado Islâmico que mataram 130 pessoas em novembro de 2015, em Paris.
Nove atiradores e homens-bomba atacaram, com poucos minutos de diferença, vários locais nos arredores da capital francesa, em 13 de novembro de 2015, espalhando terror por todo o país. Foi o episódio violento mais letal na França desde a Segunda Guerra e um dos piores ataques terroristas a atingir o Ocidente.
A maior carnificina ocorreu na boate Bataclan, onde três homens armados com rifles de assalto e explosivos atiraram em dezenas de pessoas e fizeram reféns. Outros terroristas visaram o estádio nacional de futebol, onde o então presidente François Hollande assistia a um jogo da seleção francesa, e também cafés lotados de clientes.
No total, 20 suspeitos foram acusados, mas cinco deles foram dados como mortos e um está preso na Turquia. Do grupo de supostos terroristas que tiveram participação direta nos ataques, apenas um sobreviveu: o cidadão francês Salah Abdeslam, nascido na Bélgica. Na noite dos ataques, ele fugiu após abandonar seu carro e um colete suicida com defeito. Seu irmão estava entre os homens-bomba que participaram dos atentados.
Até agora, Abdeslam se recusou a falar com os investigadores, negando-lhes respostas para muitas das perguntas restantes sobre os ataques e as pessoas que os planejaram. Ele apareceu vestindo uma camisa preta de mangas curtas e calças pretas, com o cabelo comprido amarrado para trás. Quando solicitado a declarar sua profissão, ele declarou que era "um guerreiro do Estado Islâmico" após entoar uma oração.
Abdeslam estará presente no tribunal durante o julgamento, que deve durar mais de oito meses. Mais de 300 advogados vão representar cerca de 1,8 mil partes civis, incluindo sobreviventes, em meio a rígidas precauções de segurança.
Para acomodar o grande — e incomum — número de participantes, os procedimentos ocorrem em uma sala de tribunal temporária, especialmente construída dentro do Palais de Justice, no centro de Paris, onde foram julgados Maria Antonieta e Émile Zola. O espaço é construído em madeira clara, escolhida para criar "uma sensação de calma", com uma área de vidro onde os réus se sentaram nesta quarta-feira. Estátuas clássicas de mármore observam a cena.
O juiz presidente do caso, Jean-Louis Peries, reconheceu a natureza extraordinária dos ataques, que mudaram a segurança na Europa e no cenário político da França, e do julgamento que está por vir. O país só saiu do estado de emergência declarado na sequência dos atentados em 2017, depois de incorporar à lei muitas das medidas mais duras.
— Os acontecimentos sobre os quais vamos decidir estão inscritos na sua intensidade histórica entre os acontecimentos internacionais e nacionais deste século — afirmou.
Entre os convocados para depor está Hollande, que, além de estar presente em uma das cenas do ataque, deu a ordem final para que as forças especiais policiais invadissem o Bataclan. Hollande disse que falaria "não pelo bem da política francesa, mas pelas vítimas dos ataques". Ele afirmou que sentiu profundamente o peso da responsabilidade naquela noite e pelos dias e semanas posteriores ao ataque.
— Quando as câmeras são desligadas, você volta para a solidão do Elysée (palácio presidencial) — disse Hollande ao France-Info. — Você pergunta o que eu posso fazer? O que aconteceu vai mudar a sociedade?
Nenhum dos procedimentos será televisionado ou retransmitido ao público, mas será gravado para fins de arquivamento. A gravação de vídeo só foi permitida para um punhado de casos na França considerados de valor histórico, incluindo o julgamento do ano passado pelos ataques de 2015 contra o jornal Charlie Hebdo, em Paris, e um supermercado kosher.
Os principais réus do processo em Paris só serão interrogados sobre os atentados a partir de janeiro, o que coincide com um momento decisivo das eleições presidenciais, que ocorrem em abril. Tanto o presidente Emmanuel Macron quanto o líder de extrema direita Marine Le Pen concentram o discurso em temas de segurança nos últimos meses — levantando a perspectiva de que o julgamento se tornará uma questão de ano eleitoral.