Quatro obras viárias de vital importância para o Rio Grande do Sul correm o risco de sofrer cortes de verbas em 2021. Se confirmado no Congresso, o veto parcial do presidente Jair Bolsonaro ao projeto de lei orçamentária reduzirá em R$ 36,9 milhões as somas previstas para a nova ponte do Guaíba, a duplicação da BR-116, o contorno de Pelotas e a travessia urbana de Santa Maria (veja os detalhes abaixo).
O montante equivale a 14,25% do valor final definido na proposta, que inclui verbas de uso livre da União, emendas impositivas da bancada gaúcha e emendas do relator do texto, o senador Marcio Bittar (MDB-AC). Há ainda outras possíveis perdas para o Estado, conforme levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), principalmente nas áreas da saúde e do ensino superior, somando R$ 21,2 milhões.
Publicado no último dia 23, no Diário Oficial da União, o despacho presidencial detalhando o veto resume as razões dos cortes. Conforme o texto, o projeto foi “parcialmente modificado no curso da tramitação legislativa” e “a alteração de parâmetros macroeconômicos ocorrida entre o envio da proposta e a efetiva aprovação levaram à necessidade de reavaliação do total das despesas obrigatórias”.
Segundo nota das consultorias da Câmara e do Senado, o veto atingiu 767 itens. Só o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) perdeu R$ 1,18 bilhão.
Nesse bolo, entram a nova ponte do Guaíba, com R$ 10,7 milhões a menos (17,15% do previsto), a duplicação da BR-116, que pode ficar sem R$ 10 milhões (8,6%), e o contorno de Pelotas (duplicação da BR-392 até Rio Grande), com redução de R$ 11 milhões (30,7%). Quanto à travessia de Santa Maria, no entroncamento das BRs 158 e 287, seriam perdidos R$ 5,2 milhões (11,8%).
Todos os cortes envolvem emendas acrescidas pelo relator ao longo da discussão do texto. Nenhuma das obras teria 100% das verbas sacrificadas e três delas (com exceção da ponte) contam com a garantia de emendas parlamentares, mas, ainda assim, a demora nas definições e a possibilidade de perdas preocupa. Presidente do Sindicato da Indústria da Construção Pesada (Sicepot-RS), Ricardo Portella acompanha os desdobramentos de perto.
— Estamos com um nó no orçamento. O teto de gastos foi um grande avanço, mas não veio acompanhado das reformas necessárias e, para piorar, estamos enfrentando uma pandemia. Há um aumento das despesas correntes. O que sobra para o governo mexer? Infelizmente, as despesas discricionárias, que são os investimentos — resume Portella.
Integrante do grupo Juntos pela Duplicação da BR-116, a prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas, torce para que o andamento da obra não seja afetado.
— O ministro Tarcísio de Freitas (da Infraestrutura) disse que a BR-116 é prioridade e, de fato, os trabalhos vêm avançando na gestão dele. Desejo que continue assim. A duplicação deveria ter sido concluída até 2015 — ressalta Paula.
Em Santa Maria, o prefeito Jorge Pozzobom também espera um desfecho positivo.
— Acredito que será possível finalizar tudo até o final deste ano ou no início de 2022. Em último caso, se faltar algum recurso, eu boto dinheiro do município, mas o ministro sabe da importância da travessia — diz Pozzobom.
Procurada por GZH, a assessoria do Dnit informou que o órgão “aguarda a publicação dos empenhos e valores disponibilizados para estabelecer um cronograma de execução, adequando os serviços ao volume liberado, garantindo o andamento das obras”. Ainda segundo a autarquia, “os serviços não devem sofrer paradas durante o ano, tendo o ritmo atrelado aos valores orçamentários que serão disponibilizados”.
Entidades criticam imbróglio
Sancionado com veto parcial e bloqueio de recursos no final de abril, após dias de impasse com o Congresso devido ao aumento das emendas parlamentares, o orçamento da União para 2021 se transformou em um imbróglio sem fim. Em pleno mês de maio, o assunto ainda não está totalmente definido.
Um novo projeto de lei foi apresentado pelo Palácio do Planalto para recompor despesas obrigatórias que haviam ficado prejudicadas. Essa proposta ainda precisa passar pelo crivo dos parlamentares, assim como os cortes. Até sexta-feira (7), não havia acordo sobre a votação.
Presidente da CNM, Glademir Aroldi lamenta a indefinição e a confusão em torno do tema.
— Estamos em maio e ainda discutindo o orçamento do ano. Isso reflete a desorganização do país. O governo precisa chamar a responsabilidade e ajustar o orçamento de forma adequada, sem afetar áreas essenciais — afirma Aroldi.
Para o presidente da Federação das Associações de Municípios do Estado (Famurs), Maneco Hassen, a priorização de emendas foi um erro.
— Quase tudo foi cortado ou diminuído para contemplar a necessidade das emendas em valores recordes. Não deveria ser assim — diz Hassen.
Obras viárias afetadas no RS
Confira o estágio dos trabalhos, os valores envolvidos, qual era a previsão de recursos para 2021 e qual é o valor do possível corte, se o veto presidencial receber aval do Congresso
1) Nova ponte do Guaíba
- Estágio da obra: 95% concluída
- Custo total previsto: R$ 820,17 milhões
- Valor aplicado: R$ 767,76 milhões (93,6%)
- Início da obra: 2014
- Previsão inicial de término: 2017
- Nova previsão de conclusão: 2022
- Valor previsto no projeto de lei orçamentária de 2021: R$ 62,4 milhões, sendo R$ 10,7 milhões acrescidos ao projeto por emenda do relator
- Quanto perde com o veto parcial: R$ 10,7 milhões (17,15% do previsto)
A nova travessia do Guaíba teve o trânsito parcialmente liberado em dezembro de 2020, com 95% dos trabalhos concluídos. Conforme o Dnit, “a previsão de conclusão segue para 2022”. A autarquia salienta que o foco, no momento, é o reassentamento de 603 famílias, processo que havia sido suspenso devido ao agravamento da pandemia. As pessoas precisam ser realocadas para que as alças sobre a BR-290 possam ser construídas. A previsão é de transferir 221 famílias do local até o fim de 2021. O órgão informa que já tem orçamento, remanescente de 2020, para deslocar 120 delas.
2) Duplicação da BR-116 (Guaíba-Pelotas)
- Estágio da obra: 56,96% concluída
- Custo total previsto: R$ 1,77 bilhão
- Valor aplicado: R$ 1,15 bilhão (62,9%)
- Início da obra: 2012
- Previsão inicial de término: 2014
- Nova previsão de conclusão: 2022
- Valor previsto no projeto de lei orçamentária de 2021: R$ 116,6 milhões, sendo R$ 22,4 milhões via emenda impositiva da bancada gaúcha e R$ 10 milhões acrescidos ao projeto por emenda do relator
- Quanto perde com o veto parcial: R$ 10 milhões (8,6% do previsto)
Alvo de mobilização na zona sul do Estado, a obra de ampliação, segundo o Dnit, está com 120,29 quilômetros de pistas novas liberadas ao tráfego, o que representa 56,96% de todo o segmento a ser duplicado. A expectativa da autarquia é de concluir os trabalhos em 2022.
Dos 50 quilômetros sob responsabilidade do Exército, 15 estavam duplicados e liberados até o fim de abril. O restante, segundo projeção do Comando Militar do Sul à época, deverá ser finalizado até o primeiro semestre de 2021.
3) Contorno de Pelotas (duplicação da BR-392 até Rio Grande)
- Estágio da obra: 96% concluída
- Custo total previsto: R$ 675,72 milhões
- Valor aplicado: R$ 636,96 milhões (94,3%)
- Início da obra: 2012
- Previsão inicial de término: 2014
- Nova previsão de conclusão: até o final 2021
- Valor previsto no projeto de lei orçamentária de 2021: R$ 35,8 milhões, sendo R$ 5,6 milhões em emenda impositiva da bancada gaúcha e R$ 11 milhões acrescidos ao projeto por emenda do relator
- Quanto perde com o veto parcial: R$ 11 milhões (30,7% do previsto)
O contorno de Pelotas é um trecho de 23,7 quilômetros que faz a ligação com o porto de Rio Grande via BR-392, na sequência da BR-116, que está sendo duplicado. Conforme o Dnit, os trabalhos estão concentrados na construção de três viadutos: na intersecção da BR-116 com a Avenida Cidade de Lisboa (trincheira), no cruzamento da BR-392 com a Avenida Duque de Caxias e no entroncamento da BR-393 com a via férrea. O restante da obra já foi liberado ao tráfego de veículos. O Dnit informa que, “em termos de engenharia, o contorno de Pelotas pode ser concluído até dezembro de 2021”.
4) Travessia urbana de Santa Maria
- Estágio da obra: 90% concluída
- Custo total previsto: R$ 309 milhões
- Valor aplicado: R$ 278,9 milhões (90,26%)
- Início da obra: 2014
- Previsão inicial de término: 2017
- Nova previsão de conclusão: final de 2021
- Valor previsto no projeto de lei orçamentária de 2021: R$ 44,1 milhões, sendo R$ 5,6 milhões em emenda impositiva da bancada gaúcha e R$ 5,2 milhões acrescidos ao projeto por emenda do relator
- Quanto perde com o veto parcial: R$ 5,2 milhões (11,8% do previsto)
Fundamental para desafogar o trânsito no entroncamento rodoviário de Santa Maria, na Região Central, a travessia envolve a duplicação e restauração do trecho urbano das BRs 158 e 287, incluindo a construção de viadutos, pontes, passarelas e ciclovias. São 14,5 quilômetros que cortam a cidade de leste a oeste e facilitam a conexão com o porto do Rio Grande. Por ali também passam veículos com destino ao Uruguai e à Argentina.
Segundo o Dnit, 90% dos serviços estão executados. A expectativa do órgão, se nada mudar, é concluir os trabalhos até o fim de 2021.
Impacto total
- As quatro obras listadas receberiam R$ 258,9 milhões em 2021, mas, com o veto parcial ao orçamento, podem perder R$ 36,9 milhões (14,25%)
- O RS também pode ser impactado, segundo levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM), por outros cortes federais no valor de R$ 21,2 milhões
- Dessa soma, R$ 10,9 milhões seriam destinados a instituições federais de ensino superior e R$ 8,93 milhões para custeio de serviços de assistência hospitalar e ambulatorial
Como fica a BR-290?
Em 2020, o Ministério da Infraestrutura decidiu que a duplicação entre Pantano Grande e Eldorado do Sul será assumida pela empresa que vencer a concessão, ainda sem data definida. Quanto aos viadutos em Charqueadas e em Pantano, ambos foram concluídos em 2020, mas ficaram sem os acessos. Segundo o Dnit, a obra em Charqueadas está pronta e o acesso em Pantano deve ser liberado em junho. A obra não tem previsão de cortes.
E a BR-285?
Em março deste ano, o Dnit assinou contrato com a empresa responsável pelos projetos e pela construção de 8,47 quilômetros da BR-285 em São José dos Ausentes, nos Campos de Cima da Serra. Isso incluirá pavimentação, dois viadutos para assegurar a passagem de animais e uma ponte sobre o Rio das Antas. As obras estão previstas no orçamento de 2021 via emendas impositivas da bancada gaúcha (R$ 11,2 milhões) e não sofreram veto.