Parlamentares e a ala política do governo articulam uma derrubada parcial dos vetos impostos pelo presidente Jair Bolsonaro ao Orçamento de 2021, com o objetivo de retomar gastos com obras e investimentos que acabaram ficando sem recursos, segundo apurou o Estadão/Broadcast.
Para reacomodar essas despesas, o próprio líder do governo no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO), enviou um ofício ao Ministério da Economia dizendo que avalia ser "desnecessária" a recomposição de R$ 1,077 bilhão em gastos obrigatórios como seguro-defeso (pago a pescadores artesanais).
Gomes também questiona a necessidade de recompor R$ 2,629 bilhões em gastos com seguro-desemprego, dada, segundo ele, a recriação do programa que permite redução de jornada e salário ou suspensão de contrato de trabalhadores. O líder do governo é o relator do projeto de lei enviado pelo governo para recompor as despesas obrigatórias em R$ 19,8 bilhões após "maquiagens" feitas pelos parlamentares durante a votação do Orçamento.
A sessão do Congresso para examinar os vetos do Planalto ao Orçamento está prevista, inicialmente, para amanhã.
O documento, obtido pelo Estadão/Broadcast, foi na verdade elaborado dentro do Ministério do Desenvolvimento Regional, segundo evidências coletadas pela reportagem. Nas propriedades do documento, o nome do autor é Helder Melillo Lopes Cunha Silva, nomeado hoje como secretário executivo adjunto do MDR. Antes, ele era diretor do Departamento de Produção Habitacional da pasta.
O MDR é um dos principais interessados na articulação para recompor menos as despesas obrigatórias, pois assim vê espaço para recuperar recursos para a continuidade de obras, inclusive as do programa habitacional Casa Verde e Amarela, que ficou com verbas zeradas após o veto ao Orçamento.
A pasta é comandada por Rogério Marinho, a quem o ministro da Economia, Paulo Guedes, costuma se referir como "fura-teto", devido a tentativas de manobra para gastar mais com investimentos e obras. Já o MDR faz críticas nos bastidores à atuação da Economia, de forma "independente", em relação a orientações do próprio Bolsonaro de não cortar recursos para obras em andamento. Marinho e Guedes têm uma desavença antiga.
Procurado, o MDR não se manifestou. A reportagem tentou entrar em contato com o líder do governo, mas não houve retorno.
Estratégia
A nova estratégia foi traçada nos últimos dias, após a equipe econômica reagir à costura política para alterar o projeto de lei. A opção inicial era cortar novamente R$ 2,5 bilhões em despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários, para devolver verbas ao programa habitacional Casa Verde e Amarela, obras hídricas e desenvolvimento da vacina contra covid-19 pela USP Ribeirão Preto (que tem o apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações).
Essa primeira alternativa foi negociada em um café da manhã, no Palácio da Alvorada, na quarta-feira passada entre Bolsonaro e ministros da ala política. Guedes foi deixado de fora do encontro.
A articulação desagradou a integrantes da área econômica do governo. Questionado sobre a manobra, o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal, que em breve assume a Secretaria Especial de Fazenda (órgão acima do Tesouro na hierarquia da pasta), alertou ainda na semana passada que cortar despesas obrigatórias "foi o problema original" do Orçamento de 2021.
Segundo apurou o Estadão/Broadcast, a área econômica reagiu nos bastidores para tentar debelar as movimentações de mudança no projeto que restauraria as despesas obrigatórias. Com isso, a ala política recalculou a rota e, agora, pretende derrubar partes dos vetos.
Para que esses gastos caibam dentro do teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação, Gomes deve indicar gastos a serem cancelados no projeto de lei enviado para recompor as obrigatórias. A pressão nos bastidores é grande para que a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho dê sinal verde ao cancelamento das dotações, embora técnicos ressaltem que é temerário abrir mão dessas verbas.
Na avaliação de fontes ouvidas pela reportagem, a nova estratégia "chamará menos atenção" e tem ainda a vantagem de não depender de nova canetada de Bolsonaro para ser sancionada, como seria o caso do projeto de lei.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.