Após a Justiça Federal determinar nesta semana a retirada imediata do grupo indígena Xokleng da Floresta Nacional de São Francisco de Paula, na Serra, a delegacia da Polícia Federal de Caxias do Sul, ao cumprir o mandado, sugeriu que a remoção dos índios seja “postergada para momento futuro” por causa da pandemia de coronavírus. Com base nos relatos dos policiais e do oficial de Justiça que estavam tentando executar a ordem judicial, o Ministério Público Federal (MPF) pediu neste sábado (26) novamente à Justiça que a decisão de primeiro grau seja suspensa.
Às vésperas do Natal, no dia 23 de dezembro, a pedido do ICMBio, o juiz federal Frederico Valdez Pereira mandou expedir mandado de reintegração de posse contra os indígenas. O MPF tentou reverter a decisão um dia depois, mas a petição nem sequer foi analisada no mérito devido ao recesso do judiciário. O ICMBio, órgão do governo federal, argumentava que a presença dos indígenas estava dificultando ou impedindo a plena gestão da unidade de conservação, indicando risco de arrombamento e ocupação dos mais de 30 imóveis localizados no interior da unidade. A Defensoria Pública da União (DPU) nega essa informação e recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira (25) para que a ordem de reintegração seja anulada.
“No local estão acampados cerca de trinta indígenas, dentro os quais, aproximadamente quatorze crianças. A retirada dos indígenas encontra grandes dificuldades em razão das medidas de proteção contra o covid-19, bem como o meio de transporte para os referidos índios, haja vista que a simples retirada dos mesmos do interior da unidade de conservação não resolveria o problema”, diz ofício expedido pela delegacia de Polícia Federal em Caxias, usado como base para contestação do Ministério Público neste sábado.
O oficial de Justiça que acompanhou a execução do mandado foi na mesma linha: “será necessário montar uma operação cuidadosamente, para que não haja nenhum comprometimento desnecessário tanto ao grupo indígena quanto, principalmente, aos envolvidos na retirada do grupo do local invadido. (...) Há crianças entre eles. Não é demais lembrar que o local é uma floresta, o que dificulta uma rápida movimentação e manobra de tropas e possibilita esconderijos. Há, ainda, a possibilidade de que nem todos os indígenas tenham identidade ou CPF para viabilizar o transporte interestadual”. O grupo, segundo o ICMBio, é de Ibirama (SC).
O Ministério Público, então, pede à Justiça, antes da retirada à força, uma audiência na tentativa de conciliação e o adiamento do cumprimento da reintegração de posse.
Concomitantemente a isso, a Defensoria Pública da União (DPU) pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) na sexta-feira (25) a suspensão da decisão que mandou retirar imediatamente o grupo indígena Xokleng da Floresta Nacional de São Francisco de Paula.
No pedido, a DPU argumenta que há determinação do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, para suspender qualquer reintegração de posse que envolva indígenas durante a pandemia de coronavírus. Por isso, pede que a decisão do juiz federal de primeira instância seja anulada.
“Apesar da clareza da determinação da Suprema Corte, o Tribunal de Cassação afrontou diretamente a ordem do Supremo Tribunal, ao ignorar os termos da decisão lançada na RE 1.017.365/SC e validar a reintegração de posse contra o Povoado Indígena Xokleng, sendo evidente que ações desta natureza estão suspensas por ordem expressa do STF”, escreveu o defensor Tiago Vieira Silva, de Porto Alegre.
Ele afirma ainda que a remoção compulsória do índios, que têm “vínculo com a terra ocupada”, pode acarretar conflito social e representa risco à saúde pública.
Segundo o ICMBio, o grupo indígena é formado por cerca de 12 pessoas da aldeia Laklano e teriam deixado o município de Ibirama no dia 12 de dezembro. Eles chegaram em um carro e uma van, “tomando a chave do portão que se encontrava com o vigia, e informando que se tratava de uma invasão”. Mais tarde, no dia 21 de dezembro, mais um grupo, provavelmente de 13 indígenas, chegou ao local.
“Como estão montando mais lonas e barracas, e recebendo mais colchões e alimentos, não sabemos quantos ainda virão", escreveu o governo à Justiça. Conforme o relato, a presença dos indígenas está dificultando ou impedindo a plena gestão da unidade de conservação, indicando risco de arrombamento e ocupação dos mais de 30 imóveis localizados no interior da unidade.
A Defensoria contesta essas informações:
“Embora o ICMBio tenha afirmado genericamente, não acostou aos autos elementos concretos de que o grupo indígena 'traz insegurança' às pessoas ou oferece 'risco de arrombamento' no local. A Polícia Federal deslocou-se até a área e produziu a Informação de Polícia Judiciária n. 1730571/2020 (reproduzida na petição inicial), na qual consigna que não houve ameaças físicas contra o vigilante durante a entrada, apenas uma solicitação para que ele saísse, e que 14 crianças acompanham o grupo. Ao contrário do que quer fazer crer a autarquia ambiental, os indígenas não são inclinados a praticar atos de vandalismo ou violência, mas a retomar pacificamente as terras de seus antepassados. Em caso análogo, da reivindicação da Floresta Nacional de Canela, não houve nenhuma notícia de incidentes durante os mais de 10 meses em que o grupo indígena permanece no local (5014511-55.2018.4.04.7107). Adotou-se uma solução intermediária e bem sucedida, consistente na imposição de condicionantes para a permanência na área: não utilização da rede elétrica de forma improvisada, não disposição de resíduos no solo e não utilização de fogueiras no interior da mata”.