O pequeno município de Água Santa, norte do RS, vive um setembro de paz, após meses de conflito entre caingangues que perturbaram o sossego na região. A calmaria viceja desde o dia 4, quando a Polícia Federal (PF), com ajuda da Brigada Militar, prendeu 18 indígenas responsáveis por mais de 70 incidentes dentro e fora da reserva Carreteiro, a principal da área.
As prisões foram decretadas pela Justiça Federal com base em uma investigação minuciosa sobre a origem dos conflitos. Em Água Santa, próximo a Passo Fundo, dois grupos disputam o poder no Posto Indígena Carreteiro, desde que o antigo cacique foi destituído, em 2019.
Um deles, o maior, é formado pelo homem que foi eleito cacique no fim do ano passado, Getúlio Daniel. A eleição dele foi contestada por uma turma de caingangues liderada por um parente dele, José Levino Daniel, que acusa o líder eleito de não repartir as terras indígenas de forma justa. A PF desconfia que a briga maior é por um motivo financeiro: o controlador das áreas também arrenda as terras para agricultores, que precisam pagar para plantar.
A sucessão de conflitos começou quando José Levino e mais de uma centena de apoiadores, que estavam em menor número, foram expulsos da reserva. Ficaram morando provisoriamente, de favor, em um clube na área urbana de Água Santa, inconformados. Aí a violência se multiplicou. Cada vez que o grupo de Getúlio Daniel ia à cidade, era hostilizado. O inverso ocorria quando a turma de José Levino ia à aldeia indígena. Não se trata de xingamentos: foram mais de 70 conflitos com pedras, paus e, inclusive, tiros. Inclusive estradas foram bloqueadas.
O cacique Getúlio Daniel levou dois tiros numa emboscada. Em represália, apoiadores de José Levino tiveram três casas incendiadas. Depredações, saques e badernas na cidade se sucediam, apavorando os moradores não relacionados ao conflito indígena. Um banho de sangue se prenunciava quando a PF e a BM agiram.
Tanto Getúlio Daniel quanto seu desafeto José Levino estão desde o dia 7 deste mês presos, no Presídio Regional de Passo Fundo, por ordem da 3ª Vara da Justiça Federal daquele município. Tentaram a liberdade mediante habeas corpus, negado pelo Judiciário. E a paz reina, temporariamente, em Água Santa. O prefeito Jacir Miorando (MDB) reage cauteloso:
— É preciso uma negociação em que as duas partes concordem. Enquanto tiver índios impedidos de voltar à aldeia e outros atacados quando vão fazer compras na cidade, a confusão tem tudo para continuar.
As negociações já começaram a ser ser intermediadas pela Fundação Nacional do Índio (Funai). Três rodadas de conversas com os três grupos foram feitas, ainda sem data para acordo. Enquanto isso, o delegado Sandro Bernardi, da PF, indiciou todos os envolvidos em crime de formação de milícia. Alguns deles também foram apontados como autores de tentativa de homicídio, dano qualificado, ameaça e porte ilegal de arma de fogo.