Em uma tenda forrada por pedaços de papelão e com uma estreita bancada de madeira, Roberto Marins, o Betinho, 38 anos, grava vídeos para o YouTube. O estúdio 100% reciclado tem apenas um equipamento de captação: um smartphone preso a um suporte semelhante ao usado em automóveis.
Estrategicamente à frente dele, uma lâmpada acesa por um rabicho propicia melhor iluminação e qualidade às imagens. O conteúdo publicado na página "Betinho, o Gari de Butiá", tem como foco orientar os moradores do município da Região Carbonífera sobre o descarte correto de garrafas quebradas e objetos pontiagudos, itens que acabam por vezes ferindo os coletores.
– Ensino a colocar o vidro dentro da caixinha de leite ou de sabão em pó. É rápido e facilita para nós. Basta a gente chacoalhar e já sabe que tem os cacos. Muita gente já disse que aprendeu a descartar me assistindo – afirma, orgulhoso.
Com a chegada do inverno, o barraco precisou de investimento: uma lona extra foi instalada, e serve como porta exclusiva – de entrada e saída do biombo. O piso é de terra, e a cadeira plástica completa o ambiente, com o conforto que foi possível conquistar sem recursos.
O canal, no ar desde dezembro de 2019, já tem quase cinco mil seguidores. A ideia surgiu a partir de um trabalho de aula de estudantes do Senac, que convidaram o gari a criar os vídeos informativos, em que divide com o público a rotina nas ruas de Butiá.
Em uma das publicações, o trabalhador aparece sentado ao lado da roda do caminhão. O descanso só foi possível por um problema mecânico que interrompeu o recolhimento do lixo.
Em outro vídeo, com cortes de edição, trilha e vinheta inseridos por um amigo, ele aparece dependurado na traseira da caçamba. Há passagens em que ele conta o sufoco de um colega, Rodrigo Alves, o Alemão, abocanhado na perna por um cachorro que perseguiu a dupla – Betinho se salvou.
Em outro dia de mais sorte, eles encontraram R$ 100 em uma sacola.
As experiências, captadas em primeira pessoa, contam com a criatividade do youtuber:
– Eu grudei um pedaço de cano de PVC no cantinho do caminhão e deixei o celular gravando. Uma hora ele caiu dentro do lixo, graças a Deus que não quebrou, não tenho outro – relembra.
GaúchaZH acompanhou a primeira hora de trabalho de Betinho na manhã desta segunda-feira (31) e constatou que a corrida atrás do veículo é incessante. São, em média, 25 quilômetros percorridos por dia – com chuva ou com sol. Próximo aos locais com pilhas de sacolas descartadas, a parada dura segundos, tempo suficiente apenas para esvaziar as lixeiras.
Nas ruas, Betinho é reconhecido.
– É uma rica de uma pessoa. Ajuda todo mundo com carinho e amor – define a doméstica aposentada Maria Macieira, 71 anos.
Há 16 anos na profissão, o gari lamenta ter estudado apenas até o sexto ano do Ensino Fundamental, limitação que dificuldade a busca por crescimento profissional. Contudo, é grato ao emprego mantido na prestadora de serviços Conesul Soluções Ambientais, com o qual mantém a casa, a esposa e os três filhos – ele é o único assalariado da família, com ganhos mensais de R$ 1,6 mil.
– Isso é a minha vida, é daqui, da coleta, que tiro meu sustento – complementa.
Desde março, um novo trabalho, sem fins lucrativos, foi iniciado no município: Betinho criou, ao lado de outro voluntário, a ONG Amigos do Reino, que distribui refeições a famílias carentes. Neste domingo (30), 500 marmitas foram entregues na região, fruto de doações feitas a partir das redes sociais da entidade beneficente – ONG Amigos do Reino, no Instagram e no Facebook. Pelo WhatsApp, ele responde após o horário de trabalho no (51) 98052-9927.
Com perfil em inúmeras plataformas, o gari pretende crescer nas redes e levar as mensagens de conscientização ao maior número de pessoas possível. Em uma das publicações, sua história chegou à equipe do site de vaquinhas online Razões Para Acreditar. Encerrada no último dia 16 de agosto, a campanha arrecadou R$ 42 mil, que serão usados para a reforma de sua residência.