A quinta-feira (9) é marcada pela expectativa aos moradores de Encantado para que o Rio Taquari baixe ainda mais e permita que eles possam voltar para as suas casas. Segundo a Defesa Civil do município, ainda há 150 famílias fora de suas residências — cerca de 400 pessoas precisaram dormir no abrigo.
A torcida para muitos dos residentes do bairro Navegantes, o mais afetado pela chuvarada, se mistura com o olhar de incredulidade da cena impressionante: impetuosa, a água de cor marrom do Taquari tomou conta de quase tudo. Do alto de uma lomba, mesmo com a água mais baixa que durante a quarta-feira (8), era possível perceber só os telhados e as chaminés do que antes eram casas em terra firme.
Nas ruas, o vaivém dos moradores se mistura com o barulho de vassouras, martelo e baldes. A água usada para limpar o barro é a mesma que invadiu as casas, já que o fornecimento foi interrompido na região.
Presidente da Associação dos Moradores do Bairro Navegantes, Gilberto Dutra, 60 anos, conta que a enchente chegou rapidamente:
— A velocidade com que a água veio impediu que alguns se planejassem. É muito triste esta quinta, como foi triste a expectativa anterior de que o rio não fosse nos dar essa tristeza.
A casa de Dutra é uma das que ficou completamente debaixo d’água, só com um resquício de telhado para fora.
— Em questão de minutos, a água subiu violenta e terminou com tudo que construí. Só nós, moradores ribeirinhos, sabemos o tamanho do sofrimento que vivemos. A enchente mostra que não temos controle da situação — lamenta.
O único meio de transporte nesta quinta-feira era as pequenas embarcações. Os “caiqueiros” levavam e traziam os moradores que iam verificar a situação das residências. Quem não quis sair das casas em um primeiro momento, mudou de ideia ao ver sua vida em risco. Dono de um mercado no primeiro pavimento, Antônio Carlos Fernandes, 50 anos, lembra que a água começou a subir às 7h de quarta.
— Jamais achava que ela ia chegar nesta altura. Ela veio quase na janela do segundo andar da residência— recorda.
O comerciante relutou em sair de casa. Tentou resgatar o máximo de itens do mercado para a sua casa, no segundo andar. No entanto, ele mesmo acabou resgatado.
— Perdi a noção do tempo, fiquei ajeitando, vendo o que podia fazer. Saí lá de dentro quando um pessoal de caíque me buscou. Tive de abandonar o barco — resigna-se.
Assim como Fernandes, grande parte dos moradores viveu sua vida inteira no Navegantes. Eles são uníssonos: nem mesmo a enchente de 2001 foi tão forte quanto essa. Quem mora no bairro vive o risco iminente da enchente todo ano, mas dizem que não conseguem cortar os laços de afeto e história que têm com a região.
— Não tem como eu abandonar a minha comunidade, onde vivi minha vida. As pessoas também não têm recursos para sair. Quem mora numa casa quente e seca precisa entender que teve oportunidades melhores — expressa Dutra.
Enchente expõe condição de imigrantes
A inundação no bairro Navegantes também expõe a condição na qual moram os imigrantes haitianos, que vieram para o Rio Grande do Sul em busca de oportunidades. O local fica próximo do maior empregador da cidade e, também, do hospital. Por isso, acaba sendo a escolha de muitos haitianos que decidem dividir casas para baratear o aluguel.
Um deles é Phanel Merzien, 36 anos. A casa onde mora foi invadida pela água e, na manhã desta quinta, ele limpava o que tinha sobrado.
— Vim em busca de uma vida melhor no Brasil. Ainda procuro essa vida que sonhei — comenta.
Merzien só não perdeu tudo porque vizinhos abriram as portas para que ele guardasse parte dos itens. No ginásio municipal João Batista Marchese, onde cerca de 300 pessoas levaram seus pertences, a música típica do Haiti tocava em uma caixa de som enquanto o almoço era preparado com o pouco que as famílias conseguiram salvar.
Não bastasse a enchente, os desalojados também se preocupam com a pandemia de coronavírus. Em razão da doença, os colchões foram mantidos com o máximo de distância possível.
Enquanto alguns moradores já estão autorizados pelo rio a voltar para casa e outros caminhavam atordoados pelas ruas, a solidariedade aparece. Um grupo comprou 80 cacetinhos, um pote de nata e uma mortadela e passou a montar os sanduíches para distribuir para quem nem o café da manhã pode fazer em casa.