Nas lojas de Montenegro, no Vale do Caí, as portas estão abertas, porém há escassez de clientes. A maior parte dos 2 mil estabelecimentos reabriu a partir de um decreto municipal, válido desde quinta-feira (16), mas posto em prática por alguns profissionais apenas nesta sexta-feira (17). Caso do tatuador Paulo Roberto Voigt, 32 anos, que fez o primeiro atendimento após um mês. A decisão da prefeitura, de retomar a atividade dos lojistas, vai contra a determinação do governo do Estado.
— Na tatuagem a gente já tem um cuidado extra. Limpa tudo antes e depois — reitera, na porta do estúdio D'Rua, onde um frasco de álcool gel foi colocado à disposição para quem acessa a loja.
A máscara agora é obrigatória, tanto para o cliente quanto para o artista. O mesmo vale para barbeiros, massagistas, depiladores, manicures e pedicures. Há, além das lojas físicas, outros 2,3 mil microempreendedores individuais ou autônomos cadastrados na prefeitura.
Uma medida comum a todas as empresas, a limitação de circulação dentro dos espaços passou a ser de 30% da capacidade prevista no Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI).
Com portões descerrados, hotéis, motéis e demais hospedagens precisaram adaptar os seus acessos: tapetes nas entradas foram removidos e há obrigação de higienização de pisos, paredes, forros e banheiros sempre que utilizados — ou no mínimo a cada três horas —, segundo determinação da prefeitura.
O álcool gel passou a ser item predominante na recepção das academias, onde alunos agora só treinam com horário agendado. Na Studio Fitness, idosos são bloqueados pelo sistema ao tentar ultrapassar a catraca, também atendendo à medida do município. Os instrutores vestiam máscaras para atender o público, ainda minguado. Apenas um aluno se exercitava às 7h30min, horário de bastante movimento anteriormente a pandemia.
— Nas videoaulas, os alunos estavam empolgados para voltar, mas a gente nota que ainda estão com um certo receio — avalia o instrutor Luiz Henrique Mendes Pires, 22 anos.
Pessoas com doenças crônicas ou sintomas gripais estão vedadas de acessar as academias. Aulas em grupo estão suspensas.
Próximo a praça Rui Barbosa, ponto de encontro no centro da cidade, algumas pessoas foram vistas caminhando ou sentadas nos bancos. Apesar da abertura das lojas, o movimento era discreto nas vendas. A assistência técnica de Daniel Barros Azevedo, 34 anos, opera com três dos oito empregados.
— Durante as restrições, fizemos algumas teles, de carregador ou videogame estragado, muito usado por quem tá em casa. Mas tive que renegociar os pagamentos com os fornecedores — diz.
A população justifica o pouco ímpeto para as compras.
— Estou esperando ainda os R$ 600 (do auxílio emergencial do governo). Está feia a coisa — reclama a cuidadora Alzira Machado, 51 anos, sem emprego desde o ano passado.
A amiga Vanderleia Muller, 45 anos, carregava uma sacola com "compras básicas", como resumiu. Ela e o marido trabalham em um frigorífico da região.
Igrejas e templos religiosos também reabriram. Durante as cerimônias, as mesas e superfícies onde os frequentadores mantenham contato têm de ser limpas com frequência. Há ainda a necessidade de afastar os fiéis por pelo menos dois metros, exigência que fez o pastor Clairton Maciel, 48 anos, postergar a retomada dos cultos até a próxima semana.
— Estamos tirando os bancos conjuntos e vamos colocar individuais — explica o religioso, apontando para uma cadeira plástica recostada na parede.
O horário do varejo, bares, restaurantes e food truck foi limitado, não podendo atender antes das 8h ou fechar depois das 20h.
Mesmo localizado no Vale do Caí, o município integra a lista das 34 cidades da Região Metropolitana que só poderiam manter em funcionamento os serviços essenciais, prazo estendido pelo governador Eduardo Leite até 30 de abril.
Ao expedir o decreto, o prefeito Kadu Müller diz ter tido respaldo da Procuradoria-Geral do Município. Montenegro tem um caso testado positivo para coronavírus informado pela Secretaria Estadual da Saúde, de um paciente que cumpre internação domiciliar. Outras duas pessoas são monitoradas em leitos de enfermagem, segundo a gestão municipal, ambas sem sintomas graves.
— Mais de 90% dos nossos leitos estão desocupados. Seguimos os protocolos todos — defende.
O chefe do Executivo garante que "o decreto é flexível" e que, caso haja aglomerações ou aumento expressivo dos infectados, pode ser revisto. A prefeitura tem realizado ações de sanitização com lavagem de ruas e calçadas por servidores em caminhões-pipa.
Afirmando ter repassado orientações, a secretária de Indústria, Comércio e Turismo, Cristiane Gehrke, reforça que a ideia é "educar o público e os comerciantes, porém é rígida ao afirmar que haverá fiscalização e regressão na liberação das atividades se for confirmado o descumprimento das medidas de distanciamento social".
— Os lojistas estão conscientes. Podemos ampliar a 50% a capacidade de atendimento ou voltar a estaca zero — explica a secretária.
A Associação dos Municípios do Vale do Caí (Amvarc) enviou ofício a Leite solicitando dispensa das restrições no comércio para Capela de Santana, Portão e São Sebastião do Caí, além de Montenegro. No documento, é argumentado que as quatro cidades estão "distantes do dia a dia da Região Metropolitana". O pedido cita ainda a flexibilização ocorrida na Serra, solicitando o mesmo tratamento para os municípios que formam a associação.
O governo do Estado informou que o descumprimento do decreto é analisado pelo Ministério Público e não se posicionou sobre o pedido da Amvarc.