Moradores da Cidade de Deus, maior comunidade da zona oeste do Rio de Janeiro, criaram um gabinete de crise para driblar a ausência de políticas públicas para a favela diante da epidemia do coronavírus. No domingo (22), foi confirmado o primeiro caso da doença no local. Outros 19 casos ainda são investigados.
O grupo foi criado antes da confirmação de que a infecção já circulava por lá. A Frente da Cidade de Deus Contra a Covid-19 reúne cerca de 40 pessoas, todas moradoras ou atuantes na favela. Em um primeiro momento, o objetivo é arrecadar e distribuir itens de limpeza, higiene pessoal, alimentação e água para a população que mais precisa.
Assim foi nesta segunda-feira (23), quando alguns dos integrantes distribuíram 48 kits de limpeza e higiene para os habitantes do Brejo, uma das regiões mais carentes e menos estruturadas da comunidade, onde geralmente começam as ações sociais. Mais de cem pessoas formaram fila para receber as doações. Nesta terça (24), serão entregues cem cestas básicas.
Por enquanto, emergencialmente, as doações estão sendo repassadas para as contas bancárias dos integrantes, que estudam a possibilidade de abrir uma vaquinha e criar um CNPJ para aumentar a transparência da arrecadação.
Apesar da mobilização da sociedade civil, há questões que não podem ser resolvidas sem que o Estado cumpra seu papel. No Brejo, em geral, não há água encanada. Moradores costumam retirar água de um poço, ou dependem de doações. Para eles, é mais difícil cumprir a orientação de lavar as mãos para se proteger da contaminação pelo coronavírus.
— Foi um tanto triste, pois estava todo mundo bastante desesperado por álcool gel ou qualquer álcool, a única coisa que não conseguimos encontrar para comprar — afirma o conselheiro tutelar Jota Marques, um dos integrantes do grupo.
A falta d'água e a aglomeração, ilustrada pelas casas de um único cômodo onde moram diversos membros de uma família, são alguns dos principais entraves enfrentados pelas comunidades no combate ao coronavírus. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde, já foram contabilizados 61 casos em investigação nas favelas da cidade.
Outra dificuldade é que grande parte dos moradores das comunidades são autônomos e devem ser duramente atingidos pela crise. Pensar em soluções para esses trabalhadores é o próximo eixo do movimento.
— Vamos pensar como construir um programa de sustentabilidade financeira para essas pessoas. Lembrando que grande parte dos moradores não tem carteira assinada e vão ter muita dificuldade — ressalta Marques.
Além disso, o grupo também investe na comunicação de informação de qualidade para que os moradores cuidem de si mesmos e dos demais diante da pandemia. No fim de semana, um homem entregava folhetos com orientações, enquanto uma gravação dizia: "Para se prevenir, lavar bem as mãos com sabonete funciona. Neste momento, ficar em casa e manter todos protegidos é a melhor solução".
Segundo relatos, a comunidade ainda está movimentada, mas menos do que o costume. Muitos autônomos, como mototáxis e entregadores de comida, continuam indo às ruas para garantir a remuneração. Por outro lado, não há bailes funk ou eventos de grande porte. O tráfico de drogas determinou, ainda, toque de recolher. Agora o comércio fecha às 20h, e não mais à meia-noite.