Uma das consequências mais graves da fraude envolvendo recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) no Rio Grande do Sul é a falência de muitos agricultores. Alguns, sem conseguir pagar débitos que sequer sabiam como tinham sido contraídos, se mataram. Na segunda-feira (4), a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) no processo que apura os desvios foi aceita e 14 envolvidos viraram réus na 7ª Vara da Justiça Federal, em Porto Alegre (especializada em lavagem de dinheiro).
A PF contabilizou 134 suicídios ocorridos entre 2010 e 2013 em nove cidades do Vale do Rio Pardo e descobriu que 10 dos mortos fizeram transações financeiras com a Associação Santacruzense dos Agricultores Camponeses (Aspac), entidade suspeita de liderar o esquema de desvios. GaúchaZH entrevistou, na época, familiares desses mortos. Os próprios parentes admitem que os agricultores talvez tenham optado pela morte não apenas por esse motivo. Alguns sofriam com depressão, outros com problemas com alcoolismo, mas a dívida parece ter sido o catalizador para tirarem a vida.
Selíria Roesch, 46 anos, por exemplo, foi uma das que se mataram. Ela morava num morro em Linha Chaves, no distrito de Monte Alverne, município de Santa Cruz do Sul. Sofria de depressão e piorou, segundo familiares e amigos, quando descobriu que o marido, Reneu, 56 anos, não conseguia saldar um débito de R$ 20 mil relativo ao Pronaf. Uma dívida inexistente, diz ele, que cobra na Justiça indenização do Banco do Brasil pela perda da mulher.
Outro caso envolve a agricultora C.R.H., que contraiu um financiamento de R$ 9,9 mil no BB, por intermédio da Aspac. Só que ela afirma ter assinado documentos em branco e que recebeu apenas R$ 6 mil do total, o restante ficando com a Aspac. Meses depois descobriu que existiam outros contratos em seu nome, nos valores de R$ 4,8 mil, R$ 2,4 mil e R$ 10 mil, respectivamente. Ela assegura que jamais autorizou isso. O seu nome, porém, foi parar na Serasa (apontada como má pagadora).
O advogado Ricardo Hermany, que vai atuar na acusação no caso criminal e que tem mais de 100 clientes com causas contra o golpe do Pronaf, ingressou na Justiça em nome de C.R.H e obteve vitória. O Banco do Brasil devolveu os valores cobrados pelos contratos e foi obrigado a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil. Outro agricultor teve restituídos R$ 15,9 mil cobrados indevidamente e mais R$ 10 mil a título de dano moral. As duas sentenças foram confirmadas pelo Tribunal de Justiça e as vítimas, ressarcidas.
As sentenças que já começam a surgir são baseadas em perícias determinada pela Justiça nas contas dos agricultores queixosos. Em abril de 2015, o então presidente de Agronegócios do Banco do Brasil, Osmar Dias, confirmou a existência das fraudes em audiência pública na Comissão de Agricultura do Senado.